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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ENEM


Há 30 anos atrás o vestibular parecia condenado. Enquanto vivíamos o fim da ditadura e lutávamos por uma sociedade mais justa e igualitária, discutíamos como aquele governo podia ter se vendido tanto à ideologia norte-americana. Era possível, apesar de todos pagarem a conta, que só alguns privilegiados tivessem acesso à Universidade Pública? E os sistemas de avaliação, copiados da cartilha yankee que reproduziam a velha competitividade protestante-capitalista? Com o passar do tempo passamos a chamá-las de “questões do tipo objetiva” (falsa objetividade, por trás do enunciado e das alternativas, está a escolha do examinador).
Quando prestei a seleção pra UFRGS pela primeira vez, em 1985, o modelo “objetivo” estava predestinado a desaparecer e nos anos seguintes surgiram as questões discursivas no exame da Federal. Elas eram bem interessantes e, como exigiam a escrita, habilidade fundamental ao estudante, a seleção era melhor. Mas o Sistema não deu certo. Levava ainda mais tempo do que hoje pra corrigir as provas. O estado falido da Nova República sucateava as Universidades públicas. O retrocesso ao modelo antigo (pseudo) objetivista chegou pra ficar.
Ninguém podia imaginar que tempos bicudos viriam. A era FHC. O neoliberalismo globalizante bateu feio, e os mecanismos de responsabilização das classes menos favorecidas apareceram, mais uma vez, importadas do Tio Sam. A culpa não era do estado, que diminuía, murchava ao som de uma valsa triste, e ignorava as áreas sociais. Era dos funcionários públicos e, principalmente, dos professores. Eles eram os responsáveis pelos problemas de evasão, desistência e repetência que assolavam a educação do país desde sempre.
Sua ignorância, incompetência e corporativismo desenfreados tinham criado tudo aquilo. Aquela situação vexaminosa era nossa culpa desde sempre, para sempre. Então vamos medir isso. Medir? Alguém pode medir, de uma maneira mecânica, (pseudo) objetiva, ignorando as particularidades das culturas regionais, de uma forma unificada no país inteiro, contrariando as determinação da carta maior que é a LDB, o que os estudantes andam aprendendo? Isso é o ENEM, Essa tentativa de realizar um feito irrealizável, que é ainda mais injusto que o Vestibular por ignorar as diferenças.
Vi meio de fora essa discussão recente sobre o fim do Exame. Ele se tornou algo que nunca era pra ser. Eu sempre fui contra, mas aí vi os donos dos cursinhos pré-vestibulares defendendo o fim da prova porque o ENEM vem tomando o espaço deles desde que se criou o pró-uni. Há, há! O governo constrangeu as universidades a aceitarem o exame como critério de avaliação pra ingresso nas instituições. Os adolescentes de todo o país se voltaram ao fenômeno, a coisa toda cresceu até se tornar o monstrinho que está hoje …
Sempre achei e sempre acharei que o acesso a universidade é um direito de todos. Ninguém que contribua com impostos tem menos direito. Se não tem lugar pra todos, por que não sortear? (Ah, pode ser que tenha fraude no sorteio …) Ou será que o João da Silva, negro e que nasceu pobre e teve uma educação de baixa qualidade tem menos direito que o Maximiliano que estudou nas melhores escolas particulares? Os dois pagam o mesmo imposto proporcional à renda, imbutido na cesta básica, sacramentada pela propina nossa de cada dia … então os direitos são iguais. Sorteia.
Ou faz melhor: aumenta o salário dos professores, diminui a carga horária, bota todo mundo num mestrado ou doutorado, reduz os dias letivos, faz uma formação continuada e coloca os alunos nas universidades com as notas deles no Ensino Médio. Afinal, pra que serve o ensino Médio? Teria ele se tornado (pretensa mas infundadamente) um grande cursão pré-vestibular? Atentando pra impossibilidade de realizar tal tarefa, as particulares criaram o “terceirão”. Vamos fingir que estamos fazendo o que é impossível?
Enquanto debatemos sem respostas e sem certezas a inespecificidade do que estamos ensinando, os ricos galgam posições preparando melhor seus filhos em boas escolas pagas e adotando a educação integral. O que é público corre atrás disso tudo com as pseudo-avaliações ditando direções errôneas, competitivas e pouco solidárias, e só onde o Brasil não avança muito e profundamente, é na educação. Eu, continuo com minha incredulidade agnóstica.    Fotografia by Inezita Cunha

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Loucura


Mas será que o trem azul não passa mais por aqui? Menina, mas eu vim parar aqui porque eu pensei que ainda parava. Não, porque eu caminhei muito pra subir toda essa lomba, eu subi e desci escada, eu li mais de 500 livros, eu me instrui por 20 anos seguidos, eu estudei pra concurso, eu virei noites em claro, eu dormi um dia inteiro, eu lavei muita roupa, eu bati muito xerox, eu fiz show pra dez mil pessoas! Será que isso não vale estender a linha até aqui?
Mas o que que essa gente tá pensando! Que pode olhar pra mim como se eu fosse a mosca do cocô do cavalo do bandido de um filme B? Por que, eu tenho cara de cocô? Eles é que tem cara de merda! Eles fedem, e fedem muito! Eles não são amarelo, vermelho, verde ou azul. Eles são marrons ... Quando alguém diz que a verdade é aquela, eles acreditam que a verdade é aquela, mas se amanhã alguém disser alguma outra coisa, eles mudam de opinião rapidinho, tudo pra parecerem bonitos. Sim, porque eles se acham muito bonitos. Lindos, na verdade. Olha, eles vão todo o dia no cabeleireiro, e pintam as unhas de rosa. Roossaa! Há, há, há, há ,há ,há ,há. Não aguento mais não. Ver eles ali tão supridos de trens e eu aqui subindo, subindo e nunca chegando numa parada. Pelo amor de deus, presidente, estende a linha até aqui...

Proteção



Entro na sala e ponho a armadura
sem proteção, Jorge, ninguém segura
os gritos, vaidade, suplício sem fim.
Como foi, realidade, que ficaram assim?


Só me faz de palhaço, de trouxa sofrido,
educação de verdade? Não, me encontro batido.
Me acalma o remédio, prazer escondido,
nesse modelo arcaico, velhaco e falido.


Vou me mandar pra lua ou pra uma montanha
ou rastejar na lama, assim ninguém ganha.
Quanto tempo se perde em inútil barganha?


Pra que tanta verdade se tudo é mentira?
Realidade me faz de alvo e mira,
fugindo pro médico, para que eu me insira.

Fotografia por Inezita Cunha.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Não-lugares


Outro dia, em sala de aula, eu estava dando explicação sobre um assunto que eu considerava bem complexo e que exigiria atenção total dos estudantes. Os preveni sobre isso antes, e pedi que não me interrompessem para que eu não perdesse o fio da meada. Tudo bem. Prestavam atenção e, de repente, uma moça sentada quase na frente, virou meio de costas pra mim, abriu a bolsa e retirou um espelhinho, um batom e um estojinho. Começou a retocar a maquiagem, colocou o vermelho forte nos lábios e ajeitou o cabelo. Como que contaminada, sua colega logo ao lado sacou um esmalte e começou a pintar calmamente as unhas. A essa altura, já começaram a conversar enquanto executavam o serviço.
A turma nem deu bola. Eu de imediato, não consegui interromper, pois fiquei meio pasmo. Quando me dei conta do que se passava o cheiro adocicado do esmalte de unha já tomava a sala toda e provocava caras de enjôo, provavelmente, inclusive, a minha.
Um ou dois dias depois, em um início de período com as crianças, me esforçava para conseguir algum silêncio. Reparei que havia um menino conversando (ou cantando) baixo com um colega com enormes fones de ouvido “atarrachados” na orelha, alheio ao que eu tentava estabelecer. Simultaneamente, uma outra aluna estava praticamente deitada em cima de uma classe, dando gargalhadas enquanto mostrava a tela de seu celular a outras duas que riam junto com ela.
Não sou nada a favor de moralismo ou de criticar nossa cultura sob o ponto de vista de uma outra. Mas se um aluno fizesse isso no Japão, provavelmente seria suspenso e sua família poderia ser humilhada por não ter-lhe dado educação de como se deve agir em uma escola. É claro que os brasileiros são mais expansivos e naturalmente mais inquietos e ansiosos, mas somando o fenômeno celular-internet à vaidade incontrolável das patricinhas, chegamos à seguinte conclusão: qualquer lugar é lugar pra tudo, pois, com a importância dada ao mundo virtual, cada vez menos os lugares têm significado.
Tudo virou um grande Não-lugar ou Qualquer-lugar. Quando peço licença pra passar, meus alunos não só não entendem bem o que digo, como não se movem e ainda fazem cara feia. Além da pouca mobilidade dos “filhos de apartamento”, perderam a noção de que um determinado espaço se diferencia de outro pela utilidade. Quarto serve pra dormir e namorar, sala pra ler ou assistir televisão, cozinha pra preparar comida. Mas em qualquer lugar (todos, nenhum) se encontra o binômio celular-internet.
O mundo virtual é um lugar irreal fisicamente, só existe enquanto impulsos elétricos, imagens na tela ou na mente do usuário. E para a imaginação não há limites, tampouco fronteiras entre o que é e o que não é. O paradoxo é que a imaginação deveria ser libertária, mas nos escraviza no mundo real, que se transformou em um avatar do cyberspace, delimitando padrões de comportamento sem espaço para a criatividade. Nesse confuso mundo paralelo, qualquer espaço é possível, sempre através da mesma tela.
Por isso o comportamento inconsistente. Seja na aula, num bar, no shopping, no cinema, no ônibus. Pode-se fazer de tudo, viajar conversando e navegando, ir ao cinema e ficar falando ao terlefone e claro, se maquiar na sala de aula, tudo com o celular ao alcance da mão.
 Foto by Inezita Cunha

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Palavras


O pedaço menor de sentido, que acrescido de outros pedaços forma o todo de nosso pensamento. Dotadas de grande poder, ajudam a mudar realidades, sustentar regimes políticos e grandes ideologias, bem como iniciar e terminar relações amorosas. Em nosso drama diário são tudo o que conversamos, o conjunto de nossos monólogos, diálogos e principais pronunciamentos. Na educação elas são essenciais, criam e desfazem tudo, “minha pátria é minha língua” já disseram uns por aí, e, principalmente, tornam nosso devir diário terrível ou maravilhoso, dependendo das que ouvirmos ou usarmos.
Se queremos o sucesso como educadores precisamos, com meticulosidade, escolhê-las. Elas ganham o dia ou põe tudo a perder. Estou convencido que algumas atrapalham praticamente em qualquer situação em que apareçam. Criam nexos pejorativos em relação ao processo ensino-aprendizagem porque descumprem princípios básicos que são a elevação da auto-estima do estudante, a flexibilização dos limites do conhecimento de acordo com as possibilidade do aluno e, finalmente, a luta contra o preconceito.
“Repetente”, por exemplo, que é aquele sujeito que foi reprovado no seriado e está cumprindo a série inteira de novo. Ora, ele já está, de uma certa forma sendo punido injustamente porque é obrigado a cursar disciplinas de novo, muitas em que já foi aprovado, às vezes quase todas menos uma. Aí ele é estigmatizado como “repetente” frente aos colegas por alguns professores. Os mestres entre eles também se referem ao aluno por esse termo. É uma discriminação. E um atentado contra a auto-estima do estudante. Eu me gabo de nunca ter usado essa palavra, ao não ser mencionando-a para dizer que eu não a pronuncio. Mas talvez eu seja meio louco.
Agora, anda-se usando o “regular”. Esse aluno é “regular”. O que é regular? É um aluno que não é muito fraco, mas também não chegou na média (aliás, essa palavra 'média' já caducou, agora é melhor somatório). Tá, tudo bem, expressa uma certa ideia. Mas dizer que determinada pessoa de carne e osso é regular, é dar uma carimbada na lata e dizer que aquele lote não é dos melhores. Enfim, se um número já é classificatório e ruim, regular é uma espécie de palavra idiota que representa um meio termo entre o 0 e o 10.
Mas as piores de todas são as ideia-limitantes “matéria”, trabalho” e “conteúdo”. Essas são o veneno da Educação, no mau sentido. Olha, é uma crítica epistemológica ao sistema educacional que é muito auto-limitante e não propicia grande visão além ao seus participantes. O professor de matemática sabe muito de matemática mas nada de outras disciplinas. Matéria pressupõe algo palpável, mas quer algo mais abstrato que que o Ensino Médio no Brasil? Conteúdo significa que tem algo dentro, mas o conhecimento é organizado em grandes campos pra facilitar a compreensão da natureza e não pra separar os campos uns dos outros. Ele está à vista, ao alcance de todos para ser desvendado, vivido e não está dentro de nada. Triphalyum é um instrumento medieval de tortura que deu origem a palavra. Será que sofrimento tem algo a ver com educação?

sábado, 28 de agosto de 2010

Adolescentes


 Eles não conseguem parar de falar nem um minuto. Adoram beber litros de cocacola e comer quilos de chitus, deixando um rastro de cheiro de vômito e xarope por tudo. O máximo é um maclanche feliz, um tênis nike e uma camisa do time do coração. O celular tem que bombar, no mínimo com tv e tela com touch. Agenda com o número máximo de possíveis azaros do finde (cada fim de semana se prova dez) e os últimos sucesso de hip-hop, funk, pagode e sertanejo no mp3 pra impressionar em todos os estilos. No discurso, o máximo de clichês possível “tipo”, “tá ligado?” Uma resposta com furtivo sorriso pra sair de qualquer situação. Com a galera total desinibição, com os adultos nem um pio. São adolescentes.
“Eu preciso passar na casa da Kelly pra contar que ontem o Mauro me ligou pra dizer que quer ficar comigo. Finalmente, ele só fica com aquela mocréia da Valquíria. Se ainda fosse com a Adri que é legal. Me disseram que ele ficou com a Jéssica, aí eu não acreditei. Pô o cara ficou com ela e não ficou com a Malu que é a cara dela, mas bem mais magra e tava louca por ele? Não sei se eu fico com ele de pena das baranga que ele tá pegando, ou porque eu gosto um pouquinho do cara, mas eu acho que eu prefiro o Vitor Hugo.”
“Bah, o pai do Filipe falou que lá na fronteira tem um monte de game sinistro muito mais barato que aqui. Bah tem um game que tem lá que eu sou o recordista em todo o mundo, sabe? O Alex falou que se eu registrar esse recorde eles me chamam por e-mail pra ir lá disputar o concurso no Japão. Aí eu pedi pro Cleiton comprar pra mim, já que ele tá indo, a última versão do bagulho, porque eles não aceitam a versão antiga. Irado, né, cara, eu vou ser o melhor do mundo.”
“A minha mãe bate todo o dia na porta do meu quarto de manhã dizendo pra eu acordar cedo, arghh, ela não sabe que eu gosto de dormir até tarde?É só porque eu tô mal em matemática no colégio e a professora mandou chamar ela lá pra falar com a orientação. Disseram que eu trato a professora mal. Ai, que saco, agora a mãe fica toda hora me dizendo o que eu tenho que fazer, me diz umas três vezes por dia que eu tenho que estudar, que se eu rodar eu não vou pra praia. Que mala.”
“Acho que o Milico não tomou o gardenal dele hoje … há há há, que que é milico, não tomou teu gardenal hoje? Olha a cara dele, há há há, esse monte de espinha, as guria não querem nada contigo, milico, há há há, o milico vai tê que tira o atraso com as égua lá do sítio do tio dele, há há há, não, ele nem vai tirá o atraso porque a vida sexual dele ainda nem começou, ele tá com a mão cabeluda, olha ali, há há há, “OLHA AQUI, ELE TEM MESMO UM CABELO NA PALMA DA MÃO.”
“O que que estes caras lá de baixo querem, que eles vão amedrontar o meus camarada? Não vai tê pra eles não, vamo armá um barraco lá na porta do colégio. Ô, alemão, chama o Betinho e o Lucas lá em cima pra gente dá uma banda lá no colégio e dá um susto nesses moleque metido aí, meio burguês, nojento … eu vi um deles chegando com o cabelo molhadinho no carro do pai, um Corolla, tá bem de grana, tá frouxo, a gente ainda arruma uma parada, um troco pra nós. Chama lá.”
“Tu tem certeza que tu não tá gravida? Eu acho que não, quer dizer o exame deu negativo. Mas tu fez cedo demais, aí não funciona direito, eu acho que tu devia ir num médico. Tá louca, tu é mesmo minha amiga, e se a minha mãe descobre eu tô ferrada, ela ainda acha que eu sou virgem. Mas tu não para de vomitar desde ontem, assim tu vai ficar mal. Ah, eu sou bebi um pouquinho demais, eu acho que eu me abalei com a separação, até que o cara era bonitinho né? E tu transou com ele? Não deu, a mãe dele tava em casa e entrava no quarto toda hora pra mexer num armário que tinha os sapatos dela, e ficava me encarando. Ah, um cara que deixa a mãe fazer isso não é legal né. O Pior é que tinha cheiro de graxa naquele colchão dele … ai, eu acho que eu vou vomitar.”
“Ô, pessoal, será que eu posso dá a minha aula, vocês têm como parar de falar um pouco, por favor. Não eu não vou dizer as notas de vocês hoje. Eu sei que vocês tão angustiados mas não deu tempo de corrigir ainda. Não, não vou corrigir agora. Não, não dá pra ir ao banheiro agora, não, e também não dá pra ir ao xerox. Ô, moça, dá pra tu largar o tema de literatura, agora é aula de História. E vocês aí do fundo, é vocês quatro, dá pra diminuir a voz um pouquinho, pra eu não ter que forçar a voz. Eu já estou com um zumbido no ouvido de tanto gritar pra competir com vocês, assim vou ficar sem voz, hoje é só terça, eu dou aula até sexta e já estou rouco, tão vendo, como tá a minha voz? Ô, tu aí, tá ouvindo o que eu estou falando? E vocês dois, não dá pra ouvir mp3 durante a minha aula, essa é uma aula importante. Não de vocês eu não aceito mais desculpas porque já a milésima vez que vocês fazem isso. Sim, podem entrar … mas sem conversar, já tá difícil de iniciar a aula aqui. O que mesmo que eu tava falando?”
“Não, tu não vai sair hoje. Já disse que não. Não, não é só porque tu tá mal no colégio, mas é porque tu não me ajuda nada em casa. O que que te custa lavar uma louça e recolher as roupas sujas do banheiro? Dorme até tarde, come a hora que quer, não limpa nada e ainda fica brabo quando eu falo no telefone porque tu tá vendo televisão. Mas que desaforo! Chega! Tu não quer nada com nada, só pensa em vagabundear e trabalho que é bom, nada! 5 anos fazendo o ensino médio e ainda não te formou. Arranja uma mulher e casa, cria juízo e me deixa em paz, não aguento mais as tuas confusões, teu mau humor e a tua sujeira. Se não gosta dessas regras, vai morar lá com teu pai!”
Eles são sociais demais, consumistas demais, dependentes demais, tímidos ou caras-de-pau demais, irresponsáveis e distraídos demais. Falam, falam, falam pelos cotovelos, deixam a gente com stress auditivo. Dormem doze horas seguidas, sextas e sábados saem cedo e voltam tarde. Usam o celular até pra coçar a orelha e tão sempre pedindo dinheiro. Bom, há os que não se enquadram exatamente nesses esteriótipos, mas vão apresentar algum desses comportamentos eventualmente. Amar o que todos amam, dividir o que todos dividem, parecer o mais igual com os que ama possível, achar um micão ter que pagar um micão, ficar com alguém de vez em quando pra não virar um et. Cuidado com ideologias radicais em exagero, e não se esqueça de pensar um pouco no futuro de vez em quando.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Crianças


Tenho pedido a meus leitores que mandem sugestões de temas sobre os quais me incumbirei de escrever. Essa primeira tarefa me parece a mais difícil que já enfrentei. Minha mulher, de tanto ver eu falar de educação e de tanto discutirmos sobre nossos filhos, me encarregou de dissertar sobre crianças. É tão rica a matéria, me sinto tão emocionalmente envolvido com esse assunto que na hora de imaginar o que eu escreveria, me embaralhei. Criança é tão maravilhoso, a experiência de ter um rebento é tão significativa, minha própria infância foi tão inesquecível que senti que nenhuma prosa que se pretenda com estilo e originalidade pode atingir a beleza e o brilho da juventude.
Estar perto delas pela manhã, consertar tudo a partir de um simples sorriso infantil é uma benção. Ensinar-lhes coisas significativas sobre a vida e as sociedades ao longo do tempo é uma missão quase sagrada, tamanha a magnitude do fenômeno juvenil. Partindo desse princípio, de que a era da inocência é a fase mais importante de nossa existência, nós, adultos, deveríamos ter capacidade de tratar os pequenos sempre com o máximo de carinho possível, pois o básico que eles precisam para serem grandes e emancipados, é, além da comida, moradia e escola, muito amor, carinho, paciência, atenção e o menos possível de violência de nossa parte. Isso se resume a limites negociados a partir de nossa orientação, como adultos cientes de nosso papel como educadores.
E aprender, relembrar, reviver. Tudo o quanto já vivemos, revisto, revisado, retrabalhado. As crianças são os verdadeiros porta-vozes do que a humanidade deve ser. Sempre doce, sempre sincera, sempre pacífica. A violência na qual a menina ou o menino se envolvem não é culpa deles. É resultado da educação que lhes damos em casa, na escola, em lugares públicos, quando cuidamos do que veem, leem e escrevem. Criamos nossos filhos à nossa imagem e semelhança. Não são parte de nós apenas biologicamente, mas cultural, afetiva e psicologicamente. Nossos filhos são o que somos, e a partir de um certo momento vão se distanciando e sendo uma outra entidade, original e irrepetível, que tem ideias próprias. Um “outro nós” que tomou rumo próprio.
Ser criança é não ter medo de nada, comida na mesa e roupa lavada. Estudar de manhã e brincar de tarde, de noite a família. Ouvir história, andar de bicicleta, eu sou tua mãe e tu é minha filha. Mamãe posso ir, esconde esconde, fecha essa braguilha. Como é divertido ser assim piá e ter liberdade, de ser quem eu quero, por todos os dias. Ninguém devia nunca deixar de sentir o que sentiu quando criança, sem enrolar, de ser criança mesmo. Porque sem criança o mundo fica sem sentido, perde a graça, pede o encanto, fica vazio, não existem anjos. Porque criança é sempre o mais importante.  

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Mudança



Em época de eleições tem um monte de candidatos a um bolo de cargos diferentes que diz que fez isso, que vai fazer aquilo pela educação … eu não acredito em ninguém! Porque se alguém disser que fez quando foi governo, seja lá quem for, não diz a verdade. A Educação pública no Brasil, desde criada, isto é, no governo Getúlio Vargas, nunca cumpriu totalmente sua função. Recentemente muitas medidas administrativas e políticas públicas foram implementadas, mas, efetivamente, muito poucas delas deram resultado significativo, persistente, capaz de mudar a macro-realidade pedagógica no país.
As mentes obtusas e atrasadas, sem visão que contemple a Educação como algo independente e livre do sistema capitalista, não têm condições de mudar nada. A educação, quando ela funciona de verdade, é uma espécie de Revolução que afeta tudo à sua volta. No Brasil a Educação só é afetada pelas coisas e não afeta quase nada, nem entre os pobres, nem entre os ricos, e, quando afeta é pra reforçar o sistema educacional vigente: autoritário, classificatório, excludente, discriminatório, etc.
Portanto, já que ninguém fez, e aparentemente fará, de fato essa revolução, pelo menos a médio (esperemos um longo) prazo, vão aqui umas arrogantes dicas para os políticos, se quiserem pensar melhoria da educação de Verdade, façam o seguinte:

  1. Pague muito bem os professores. De preferência que eles trabalhem tipo, 20 horas por semana e tenham também tempo para ler, fazer cursos, ir ao cinema, ao teatro, levar a filha ao parquinho para andar de balanço, praticar esportes. Tudo bem, se for 40 horas, o cara, por dedicação exclusiva, ganhe tipo 50% a mais em cima do básico. Ah, e sem esquecer um tempo para uma viagenzinha.

  2. Professor tem que ter, pelo menos, 3 meses de férias, por estar metido em uma das profissões mais estressantes, arriscadas e monótonas de todas. Corrigir 300 provas que envolvem 30 coisas diferentes dá um nó na cabeça e no braço de qualquer um. Estar sujeito a tomar rasteiras, receber empurrões, sofrer Cyberbuylling, ser atropelado na saída da escola por pais descontrolados, não é fácil. Ficar repetindo a mesma aula pra 5 turmas diferentes, uma atrás da outra, no mesmo dia ninguém merece.

  3. Obrigar as mantenedoras a manterem um quadro funcional realmente capaz de dar conta do negócio, sem sobrecarregar ninguém, para que o serviço seja bem feito. Admissão de funcionários, só por concurso. Concursado exerce só a função do concurso. Que tenha pra tudo: Bibliotecária, Orientadora, Psicóloga, Supervisora, e até, professora. As escolas, (todas) têm que ter, direções eleitas pela comunidade, com cada voto valendo o mesmo.

  4. Todas as Escolas têm que ter: Projeto Político Pedagógico, regimento, e sistema de avaliação autônomos, mas, não podem desrespeitar princípios básicos da carta maior que é a LDB. Aliás, precisa ser melhorada e algumas questões têm que ser mais especificadas do que na atual. Também não pode faltar, uma ótima sala dos professores, com sofás pra gente deitar entre um turno e outro, microondas, pia, ar condicionado, muitas cadeiras, pelo menos 2 mesas e poltronas. Não pode faltar sala de informática, anfiteatro, ginásio poliesportivo, ampla e atualizada biblioteca, um datashow e aparelho de som, dvd e computador em cada sala, tudo com acesso a internet banda larga. Muitas tvs, música ao invés de sirenes, cursos gratuitos de música, festivais de teatro, pintura e redação. E, claro, lindas festas.

  5. As turmas não devem ter mais de 25 alunos, em qualquer nível do ensino básico, e 35, no médio e no universitário. É claro, têm que pagar mais professores, ampliar o quadro funcional para dar conta de mais essa tarefa. Acho que essa é particularmente importante hoje em dia pois quem está em sala de aula sabe o que é o nível de agitação dos jovens de hoje. Além do mais tem gente de todas as classes sociais lá, o que aumenta a tendência ao choque de culturas, brigas, pegação de pé, panelinhas, desunião, etc.

  6. Passar a ver combate a drogas como uma consequência da sociedade opressora e não como causa dela. Tratar o viciado como doente e não como criminoso. Combater as drogas usadas pelos ricos mais do que as usadas pelos pobres, pois é aí que está o furo. E principalmente, pensar melhor a jurisprudência a respeito do assunto. Copiar os exemplos bem sucedidos e descartar modelos mal sucedidos peremptoriamente como o nosso.

  7. Convencer a burguesia brasileira de que um povo bem educado é só lucro pra ela. Tá bem, se esse povo eleger alguém á esquerda, seus burgueses, vocês vão enriquecer mais do que com alguém da direita. Ah, se a gente fizer reforma agrária, vai ser melhor pra todo mundo, inclusive pra vocês.
Sei que não é uma tarefa fácil, mas podia começar por aí. Isso aí custa muito, muito, muito menos do que todo o dinheiro desviado em corrupção (que não é nada pouco), obscenas campanhas eleitorais e gastos em propaganda de qualquer governo. Também é muito menos do que 1/3 das 20 maiores fortunas do Brasil somadas, que seus respectivos donos poderiam perfeitamente doar porque, com certeza, não vai lhes fazer falta nenhuma, nem pelas próximas 10 gerações de suas famílias, nem aqui nem na eternidadade. Portanto, comecem logo e não nos enrolem mais.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Educação

O motorista viu que eu tava sozinho na parada e parou dez metros adiante, fui correndo pegar o ônibus e já ia subir e reclamar quando quase fui amassado por um jovem com uns fones de ouvido enormes e cantando alto. Me deu um ombraço no peito e subiu primeiro. Eu fiz uma cara feia mas ele nem ligou. Perdi a vontade de reclamar pro do volante. Passei na roleta e sentei no único lugar livre do ônibus. Perto da roleta, toda a hora as pessoas tropeçavam em mim. Eu tava meio pra fora do banco porque o cara do meu lado tava com as pernas bem abertas e olhando pro outro lado. Quando sentei ele abriu as pernas mais um pouco. Fiquei quase pra fora do banco. O rapaz com os fonezões mexe no celular e começa a tocar um funk bem alto pra todo mundo ouvir, “vai rolá, vai rolá, nos vamu infernizá, vai rolá, vai rolá, vem vem cá me beijocá”, bem alto, quase do meu lado. Na parada seguinte só tinha uma senhora de cabelos brancos que acenou, mas o motora não parou. Logo que passou, olhou com um sorriso malicioso para o cobrador e começou a falar, achando que tagarelava em “código”: “se a gente não cumpri o que o patrão qué, a gente se dá mau, né”. O cobrador sorriu de volta. Enfim, em um bolo de gente no ponto seguinte sobe uma heroína de uns 80 anos, mas inteira. Com alguma dificuldade, atropelada por uma moça que perguntou se o ônibus “vai pro barra? me avisa quando for a parada do barra, tá?”, ela ultrapassa bravamente a roleta e descobre que não tem nenhum lugar pra ela sentar. Tento chamá-la para o meu, mas ela não me ouve lá do fundo do busun. Mas eu a ouço, timidamente, perguntar pra um rapaz de uns vinte e poucos anos de idade, cuja cara esta virada pra janela fingindo que não é com ele, “meu filho, deixa eu sentar?”, “eu cheguei primeiro minha senhora”, alguns em volta começam a olhar curiosos para a situação, “mas esse lugar é para idosos”, “não tem nenhum cartaz dizendo nada”, ele começa a ficar sem jeito apesar da negativa, a idosa desiste depois de dar um forte suspiro e fazer sinais negativos com a cabeça. Ninguém diz mais nada. Falo pro cobrador, “ô, cobrador, pede praquele rapaz lá”, e aponto, “ceder aquele lugar praquela senhora, ela tem direito”. O cobrador vira a cara. “Ô, cobrador, vai fingir que não é contigo, cumpadi?”, “eu não vou fazer nada”, e olha pro outro lado de novo. Não tive coragem de ir adiante. Cheguei na escola. Abri a porta da sala dos professores e uma colega aos berros diz “adoro essas notícias só de violência. Estupro, terremoto, eu fico grudada horas vendo notícia disso”, a faxineira responde “ai, eu também, adoro, até jornal eu compro”. Uma diretora entra correndo pela sala e fala, “pessoal, colocaram palitinho de fósforo nas fechaduras das portas dos professores da área, mas nós já chamamos o chaveiro”, “não, de novo?”. Enquanto a galera vai ver de perto o que houve vou à cozinha pedir algum produto que me ajude a desgrudar o chiclé da minha bunda, acho que peguei no ônibus e não vi. Passo pela sala da direção e vejo uma das professoras do currículo segurando um aluno que tenta agredí-la enquanto a ofende com palavrões escabrosos. Ai, nem dou bola, vou para minha sala ver o que houve e meus alunos de longe dizem “aaaahhhh, ele veio. Por que o senhor não ficou em casa?”. Senti um nozinho na garganta e transmutei em raiva. “Por que tu não ficou em casa?”, “ai, professor, puxa ...”. Depois de meia hora no frio, entramos. Começo a minha aula e tal. Três meninas no fundo da aula estão sentadas quase em roda, uma de costas pra mim, “hei vocês meninas, poderiam, por favor, parar de conversar pra eu poder dar aula?obrigado”. Elas fazem caras de brabinhas. Recomeço, imediatamente elas recomeçam também. Paro de novo, “ô garotas vou ter que separar vocês? Não é 5ª série, vocês tão na oitava ...”. Recomeço, nem dois minutos, bastou pra elas tagarelarem. “Tá, deu, tu senta lá, tu lá e tu lá, vamos, rápido que eu não tenho todo o dia”. Uma hora depois, dou uns exercícios e saio rápido para ir ao banheiro quando vejo uns pequenininhos fazendo guerra de maçã. Um deles tem a calça gorda. Tira a fruta do bolso, dá uma mordida, gospe no chão e joga, com toda a força na cabeça de uma menina que começa a chorar. A supervisora aparece e acaba com a cena. Volto correndo. Quando chego o corredor está cheio de futas esmagadas misturadas com terra e papel picado. Três meninos da minha turma estão jogando futebol com um toco de cachorro quente. Fico possesso. Dentro da classe há duas meninas de pé em cima de uma carteira vendo tudo e gritando, “vai cara, dribla ele ...”, enquanto dois rapazes estão agarrados se soqueando no fundo da sala. Ai, não sei o que fazer. Levo pra direção, acalmo aqui … opto pela última alternativa. Recomeço, duras penas, a falar, batem na minha porta. Uma senhora que eu não conheço me aponta o dedo e começa a gritar, “o senhor não pode dar zero pro meu filho porque ele é um ótimo aluno, meu guri trabalha pra ajudá o pai dele que é paralítico e eu vou denunciar o senhor lá na secretaria ...”, até que uma moça aparece e diz, “mãe, não é esse professor aí, é lá da outra sala”, a mãe gritona não me diz mais nada e repete a cena duas portas adiante, vejo o colega perder a calma e responder na mesma moeda e penso, pra mim chega. Esse negócio de educação é muito complicado.

domingo, 1 de agosto de 2010

Volta

Voltar para aquilo do qual nunca saímos. Eis a dificuldade de encarar a volta. Vamos longe agora sem mais fugir. Vamos até o fim lutando baravamente, contra aqueles que nos importunam cotidianamente, geralmente por questões mesquinhas e sem importância e relevância para a sociedade. Geralmente motivos mais pessoais. Vamos lutar contra a falta de dinheiro, tempo, paciência, saldo bancário, esperança de significativa melhoria, esperança de melhorar o mundo com a ajuda de todos. Vamos dar alô a um grande BASTA nas coisas que estão erradas em nossa vida. Vamos consertar uma por uma, sem preguiça.

Caminhar vagarosa e atentamente para o descanso merecido, as festas, as férias lá perto do fim do ano. Sonhando a todo momento com a praia em que vamos estar, o cheiro da areia, o gosto sal, o cansaço à tarde. Aquela companhia que se faz distante, mais próxima, o cheiro, o gosto, a silhueta mágica. A saudade do que não veio misturada com o todo vivido em outras praias. Sentir a maresia é preciso, a cada instante na volta. Pra volta ser gostosa.

Dizer olá, beijar a todos, sentir a alegria de compartilhar o mesmo espaço, a mesma comida, as mesmas relações, solidas ou instáveis, matéria do dia-a-dia do nosso trabalho. Sempre tão quente, borbulhante e exigente. Lá vamos nós transformar a massa (cinzenta) em algo aceso, vivo, brilhante. Quem consegue mais nesse inicio? Quem conseguirá, nos primeiros dias chamar mais positivamente à atenção de nossos pupilos? Quem deseja e se esforçará para isso?

Quem merece estar aqui? Quem acha que já lutou (pra voltar) o suficiente em sua vida ou aqueles que tornam cada dia em uma constante (revira) volta em seu trabalho? Sim, porque mestre que não se revoluciona todo tempo não é mestre. Não é mestre aquele que apenas revive um pobre e tedioso repeteco automatizado e quase mecânico de suas próprias neuroses, transformando isso em aula. Se é que isso é uma aula. É preciso fugir disso, buscar sempre alternativas de socorro à carência, à falta de apoio ou reconhecimento de seu devir. Isso deixa nossa auto-estima lá embaixo.

Mas sobrevém sempre aquela vontade de mudar, achar novas e criativas maneiras de reinventar a rotina, principalmente quando se trata de educação, fenômeno no qual a criatividade é fundamental. Não podemos esquecer de improvisar com nossas virtudes, surpreender com nossos anseios e sonhos, como qualquer ser humano faz quando se trata de relações. Não há aproximação, e portanto aprendizado, sem a atenção devida e a abdicação respeitosa, sem a percepção de que somos como irmãos mais velhos conduzindo a nova geração a uma possível vitória sobre o difícil futuro que se avoluma à nossa frente.

Foto: Inezita Cunha

domingo, 18 de julho de 2010

Férias

Me decepcionei um pouco essa semana com (quase) todos os colegas que divergiram da opinião do Presidente Lula de que não se deve de forma alguma bater em crianças e que a conversa é melhor que tudo. As pessoas continuam achando que a melhor forma de acabar com a violência é a própria violência. Esse complexo de talião em que vivemos, tem que acabar. Nossa revolta contra esse mundo injusto, nossas questões mal resolvidas internamente não podem desaguar em ensinarmos aos nossos filhos que cometer um ato brutal, causando dor a outro ser humano, significa educação, ou mesmo resolução para alguma pendenga de nossa sociedade.

Como todos que me conhecem sabem, sou da opinião de que não se deve, em hipótese alguma cometer atos violentos, principalmente contra nossos filhos. Prego isso na prática porque é assim que crio minha filha, que, creio, sem nunca ter recebido sequer uma palmada, é uma criança muito bem orientada, na escola inclusive. Pai que bate é porque não quer conversar, tem preguiça de dialogar ou não se sente seguro ou em condições disso. Aí apela, deixa sua raiva, sim, não neguemos que temos raiva das crianças, porque isso faz parte de sermos humanos, ter raiva.

Para disfarçar a falta de controle ou incapacidade de relacionar-se adequadamente, vêm as mais desbaratadas desculpas. De que se não batermos em nossas crianças não os estaremos preparando para a violência do mundo lá fora, como se a violência precisasse ser ensinada. De que “foi assim que meu pai me criou”, então, porque meu pai fazia, e não tinha razão, eu também devo fazer. Ou pior, “apanha em casa pra depois não apanhar da polícia”, como se os bandidos não tivessem sido exatamente aqueles mais acostumados a conviver com a violência.

Mas não adianta, a necessidade de compensar a impotência diante da sociedade com a prepotência diante dos menores, somada á falta de informação e aprimoramento tornou o brasileiro insensível. Ele está tão fustigado e atraído pelo violento, pelo apelo frenético da inquisição nossa de cada dia, pelo “deprê show” cotidiano, que nem se dá conta de onde está metido. Perdeu seus parâmetros lógicos de percepção da vida como algo tranquilo.

O Brasileiro precisa é tirar férias. Férias de si mesmo, do Brasil, do noticiário, do egoísmo, do shopping center, do sindicato pelego ou ideologicamente manipulado, dos políticos manipuladores, das contas que só aumentam, dos comerciantes que nos enganam, dos que nos roubam e exploram. Só mesmo o Brasileiro não sendo do Brasil pra cortar fora a violência de si mesmo e do que está à sua volta. Só mesmo uma boa dose de alienação pra trazer de volta a razão.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Inclusão

Muito bonita essa coisa de colocar todas as diferenças juntas, para estimular a tolerância entre elas. Negro e branco, rico e pobre, feio e bonito. Ali no meio o aluno com necessidades especiais. É o retrato da sociedade como um todo. Toda a sua pluralidade incluída no espaço escolar em convívio diário. Isso é bom? Sim, pode ser, deve ser.

A luta pela inclusão faz parte de algo maior, de um processo de democratização do Brasil, que deve passar pelo econômico, cultural e político transpostos para o âmbito educacional. Hoje, quase todo mundo está na ou tem fácil acesso à Escola Pública. Essa realidade é uma grande conquista de todos, que fizeram ou fazem alguma coisa pela educação, que batalharam pela democratização do país, que elegeram alguns bons políticos que por um motivo ou por outro acabaram escrevendo e ajudando a promulgar leis que qualificaram nosso aparato educacional.

Mas essa inclusão produz muitos conflitos. A jurisprudência que dá forma à configuração atual de nossa escola obriga-nos a aceitar essa pluralidade, o que fazemos com muito gosto como educadores conscientes que somos. Mas gera contradições que, temo, não tenhamos condições de superar sem que a sociedade civil e os poderes públicos se concentrem em promover sua superação.

Um professor médio brasileiro, não consegue ensinar adequadamente vários tipos, por exemplo, de alunos especiais. Um síndrome de down, um estudante com algum tipo de limitação cerebral aprendem de maneiras que não conseguimos perceber em nossa rotina de muitos alunos, 40 ou 60 horas semanais e aulas aos sábados. Já temos muita dificuldade em educar os “normais” que estão cada vez mais arredios e desmotivados, e aí nos sobra pouco tempo para aprender sobre esses fascinantes diferentes. Será que não se sentiriam mais integrados em uma escola entre iguais ou parecidos a eles? É possível que, por um lado sim, apesar da legalidade hoje apontar para a inclusão em uma conjuntura de iguais sendo dessemelhantes.

Há ainda o problema do individualismo, carência e competitividade. O Bullying nosso de cada dia indica uma tendência crescente em rejeitar o diferente. É uma loteria. Se um aluno especial der a sorte de pegar uma turma “boa”, pode ser que ele consiga produzir melhor, se sentir mais afetivamente ligado aos colegas e progredir.

Por isso a enturmação e os projetos de integração entre as turmas podem ser fundamentais para que a escola seja bem sucedida em incluir a diversidade. Os laços de solidariedade presentes em comunidades do interior mais tradicionais e ao mesmo tempo abertas têm produzido resultados entusiasmantes. Nas grandes capitais um processo contrário tomou conta do dia-a-dia: a rejeição, a desconfiança e a “panelagem” levaram à formação de um jovem consumista e hedonista que, portanto, não tem tempo para pensar no semelhante, e se dedica única e exclusivamente à adulação constante e passiva do próprio ego.

O vírus da globalização já está chegando nos confins do mundo via internet o que massifica ainda mais os hábitos da gurizada. Sem uma orientação nesse sentido, o das novas tecnologias, ninguém vai chegar a lugar nenhum, porque a cabecinha dessa geração está sendo moldada por ela. Nesse torvelinho de novidades e mudanças em ritmo acelerado, a inclusão trilha por tortuosos caminhos de desinformação em plena era da informação, nos remetendo a uma incerteza sempre presente de um sucesso próximo ou a velha espera sem prazo de validade.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Patrimônio

Puxei do bolso meu chaveiro e vi um retângulo azul de latão onde se lê a palavra “História”. Tive uma estranha sensação de êxito. Abri meu estojo e estava lá o lápis roxo metálico. Lembrei-me da Sílvia e da Andriele que me presentearam com tais objetos, uma há dois e outra há cinco anos atrás, provavelmente jamais vou esquecê-las. Não só pelo souvenir doado mas porque foram pessoas com quem fiz boa amizade.

Tudo o que um professor tem como profissional ele constrói com a fina flor do seu relacionamento interpessoal com todo mundo que diariamente passa em sua frente na escola. Sua maneira de lidar com os professores, vice-diretoras, pais ou alunos determina a rede de influências que implicará em maior ou menor grau seu sucesso profissional.

A delicadeza ao conduzir tal trama é fundamental para o cotidiano. Dar sempre bom dia ou boa tarde, conversar sobre assuntos variados de maior ou menor grau de importância com todos, resultando em uma aproximação coloquial da qual todo o ser humano gosta. Não tomar atitudes intempestivas ou demasiadamente radicais é bom para manter o equilíbrio e resolver tudo com sapiência e tranquilidade. Despedir-se com educação perfaz o espaço que liga um encontro ao subsequente.

Conversar, sempre muito, fazer laços pessoais com o maior número de colegas possível, filosofar, discutir os rumos da humanidade, falar besteiras e contar piadas. Não da pra excluir nunca isso da aula. É mais que parte integrante, é o princípio básico. Assim a doença do esquecimento nunca tomará conta de qualquer envolvido, nem do processo escolar. Não nos esqueceremos em nenhum momento que antes de tudo somos seres humanos, ou melhor, que todos são. Não coisificaremos nenhuma relação, atitude ou pessoa capaz de fazer o que nós mesmo fazemos, de sentir o que sempre sentimos.

Qualquer inobservância a essa estratégia retirará o foco do que há de mais primordial em nosso trabalho. Nos afastará de nossa própria essência enquanto espécie. Nunca esqueçamos que viemos uns dos outros desde que nossos ancestrais caminhavam amedrontados pela planície, em busca de caça; eis aí o fundamento do conhecimento: se defender da violência da simples “Natureza”, predatória biologicamente. Inventamos nossa sociedade, e tudo pelo qual ela foi construída não é diferente de nós mesmos em nosso devir. Jamais devemos nos afastar de tal fundamento.

Ajudar antes de tudo. Colocar o que temos de melhor à disposição do outro, a única maneira de educar. Doar-lhes nossos exemplos e estudos memorizados, nossas virtudes internalizadas, nosso conhecimento vivido intensamente, nossa arte de sobreviver. Não há outro caminho a não ser abrir as portas da beleza do universo para quem quiser entrar.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Divididos 2

É como se jamais nos encontrássemos verdadeiramente pra tentar entender o que está acontecendo no mundo. Porque falamos línguas diferentes, temos visões de mundo muito diferentes, temos interesses divergentes. Alunos e professores, em um certo sentido, pouco se encontram pra viverem a vida uns com os outros. Pra entenderem como pensa o seu par. Não, cada grupo vive o só seu, mas não há coletividade entre os grupos. Estão seccionados.

Movidos por energias divergentes eles não se entendem. Um aluno não entende muito bem aquelas lições de moral que nada têm a ver com o que os da sua idade falam e pensam. Os professores não entendem como o aluno pode se vestir daquele jeito, falar daquele jeito e compulsivo, ouvir aquela música horrorosa, etc.

Um aluno não entende (e nem quer entender) como os professores podem achar que aquilo que eles pensam estar ensinando tem assim tanta importância se há tantas outras coisas mais interessantes para se pensar ou fazer. Os professores não compreendem como os jovens podem passar tanto tempo mexendo no celular, falando no msn ou passeando num shopping.

Já começa pela chegada. Os professores desejam que os alunos entrem logo para aula. Eles querem fugir. “Entra logo fulano que o professor não deixa entrar depois””Tudo bem eu não gosto daquela aula mesmo”. “Se o fulano não vier hoje é zero na prova e mando chamar a mãe”.

Não dá, são universos consistentemente diferentes e têm que ser misturados todos os dias. Quem tem mais condições de agir, mudando sua maneira de agir e suas metas em virtudes escolares? Nós ou os alunos?

Divididos 1

Ideologizados e separados estamos todos

Divididos, seccionados como bobos, como lobos

Ignorados da verdadeira razão enobrecida

De comungar educação em uma vida

Ficamos soltos sem amarras uns aos outros

Livres tolos se amam pouco tristes rostos

Que dividem o afeto com os iguais

Mas ignoram sem piedade os juvenis

Tola aula doida causa que me amarra

A não querer igualá-la a dura alma

Me trai ao ser o que não quero

Tolo sou de hoje bem mais velho

Que sem poder fugir ao que espero

Mais me penso igual ao que me espelho

sábado, 3 de julho de 2010

Dramatizações 2010

É preciso inovar. Por isso dramatizamos os conteúdos, ao invés simplesmente de decorá-lo. Estamos vivendo a História.
Alunos do Padre Reus Dramatizam a Globalização.
Alunos do Padrecu Dramatizam a Crise de 1929.
Estudantes da 2ª Série do Padre Reus Dramatizam a Revolução Industrial.
Os Alunos da 8ª Série do La Hire Guerra Dramatizam a Crise de 1929.
As Meninas da Turma 71 do La Hire Guerra Dramatizam a Revolução Industrial Inglesa.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Médio

Um grande Nada toma conta dos estudantes quando eles saltam do ensino fundamental pra o antigo “segundo grau”. Eles ficam bem desorientados. Sentem o verdadeiro peso de sua ignorância. Quase metade deles é reprovado no Brasil de hoje. Esse ciclo começa com um grande fracasso e com uma dúvida? O que é que eu estou fazendo aqui? Para onde eu vou? Geralmente chegando no nada, não há nada a esperar.

Lá na última série (se ele conseguir chegar lá) vai começar a ficar realmente em dúvida sobre o que vai querer de sua vida como adulto. Vai prestar vestibular, o que cada dia fica mais raro. Ele não sabe bem pra que. O Ensino Médio não responde às dúvidas e anseios do estudante. Ele não sabe para onde ir. Alternativas como o pós-médio (cursos técnicos) se tornam realidade com a necessidade cada vez mais premente de entrar logo no mercado de trabalho, mas ele não sabe bem se é isso.

Em terra Brasilis o Médio não tem especificidade. Não recupera a defasagem anterior, isto é, do ensino fundamental, simplesmente reprova ou evade 50 ou mais por cento dos cadidatos. Não apresenta tampouco qualquer especificidade. São os mesmos “conteúdos”, em geral, vistos de forma um pouco mais aprofundada. Há montanhas a serem subidas, principalmente na área das exatas: matemática, química e física muito mais difíceis e substancialmente diferentes. São essas o pavor da galera, quando não tem um professor de História ou Português mais mala que também gosta de reprovar.

Pior, tudo no plano da abstração. Pouca prática e muita teoria. Impraticável pra os estudantes brasileiros. Na organização curricular, pelo menos matemática tem todo um destaque e uma enormidade de períodos a mais que outras disciplinas. Herança portuguesa e sua paixão pelo positivismo e sua inspiração cartesiana no cálculo, anti-iluminista coimbrense (Aliás, eu não sei como professores que têm o dobro de períodos que eu, e a metade do número de alunos, consegue reprovar 100 por cento a mais ... ???)

E cobra nota, muita nota. Cobra disciplina e obediência, cobra postura de adulto, mas vive-se em um estado ocorrencial policialesco onde os alunos são tratados como menores infratores, infantilizados pelo controle de atrasos e atas administrativas. Cobra-se maturidade mas trata-se com infantilidade.

Ah, e tudo é para o Vestibular. As provas objetivas predominam, para facilitar a correção dos esgoelados professores brazucas, e também porque é para o vestibular. Lê tais livros porque cai nos vestibular. O Ensino Médio virou um grande cursão pré-vestibular e perdeu a especificidade, é um nada. Ah, mas os mais espertos se deram conta que não funciona, porque temos que dar nota no ensino médio e isso não funciona quando se fala em vestibular onde a nota é algo ponderado entre várias disciplinas, então inventaram o Terceirão. Por que não erigir logo um Quarto ano?

Mas esse meio caminho entre a infância e a vida profissional continua vazio sem uma orientação vocacional. Sem um espaço onde o aluno possa imaginar o futuro. Um espaço criativo onde ele possa criar uma alternativa de vida nesse mundo tão surrado e egoísta. E aí ele se ressente daquilo que mais faz falta no mundo de hoje na educação: a arte. O vazio artístico, a miséria intelectual em que se encontram a maioria de nossos adolescentes não poderá jamais ser sanada se os senhores da educação não pensarem uma educação mais prática, artística, crítica e mais baseada na realidade cotidiana do aluno Brasileiro, que , meio às cegas, mas com sinceridade, busca ansiosamenete seu espaço na sociedade brasileira.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Bullying

Acho tão interessante que nesse começo de século as autoridades educacionais do mundo inteiro estejam se interessando por um fenômeno que sempre existiu na educação. A intolerância às diferenças, o complexo de superioridade de certas pessoas que descarregam nos mais frágeis suas frustrações é algo recorrente e desde sempre, em minha vida de estudante, aprendi a conviver com isso.

Fiquei sem caminhar durante dois longos anos por conta de uma doença que tive em minhas pernas. Sim, fui cadeirante. Sorte minha que no princípio do tratamento, quando tinha 10 anos apenas, morei em Curitiba onde, atesto, o Bullying não existia. Fui tratado com toda a dignidade e respeito que merecia e não havia dificuldades porque era um aluno excelente, sempre entre os melhores da classe, o que chamamos de CDF.

Mas, no ano seguinte, de volta a Porto Alegre, comecei a sofrer as conseqüências de estar imobilizado e ser muito bom aluno. Certos coleguinhas cuja mamãe protegia-os de tudo não aceitavam minha língua pronta para responder – inclusive suas provocações – e se aproveitavam de minha condição desvantajosa do ponto de vista físico. Na quinta série me isolavam em algum canto do pátio, apesar de meus gritos inaudíveis em meio à multidão, e me apedrejavam com torrões de areia. O caso ia parar na direção e minha mãe sofria para convencer a diretora a tomar alguma providência, uma vez que os abusadores eram filhinhos de famílias ricas.

Na sexta série a coisa continuou, mas como minha sala era no piso térreo era mais difícil me incomodar e, já cientes do problema, as auxiliares de disciplina me vigiavam melhor. Mas, na sétima a coisa tomou proporções gigantes. Me faziam ameaças e constrangimentos psicológicos constantes, dizendo que se eu revelasse a pressão, iriam me matar ou surrar, já que eu estava caminhando e ia a pé pra casa. Depredaram o carro de minha mãe quando finalmente contei, e continuei tomando chutes, socos e pontapés durante um bom tempo até que as famílias criaram consciência dos monstrinhos que tinham em casa e apertaram o cerco. Tudo cessou, até fiquei camarada de alguns dos meus opressores e, na oitava, pra evitar outros constrangimentos, a direção mudou todas as turmas, por conta de outros casos semelhantes, e aí criei a minha turma de adolescência que foi muito legal e inesquecível, mas isso é outro papo.

Por que só agora essa lei? Não carecemos de outros relatos sobre o tema, nos filmes de Hollywood ou mesmo nos europeus, e parece que surgiu tudo agora. E mesmo com a lei, vai continuar, sabe por quê? Porque a intolerância faz parte do processo escolar. É preciso mais que leis pra curar essa ferida.

As leis não terminam com a absoluta falta de integração entre as turmas de uma mesma escola – e porque não dizer “rivalidade” – e com toda a competitividade egoísta e desmesurada da comunidade escolar. Com o “empurra pra lá” porque o problema não é meu dos pais e dos alunos. Não vai mudar a mentalidade conteudista-tecnicista-behaviorista do currículo e do método de ensino dos professores que é altamente alienante.

Nós também não deixaremos de sofrer o “Bullying Nosso de Cada dia” por parte dos governos que pouco ou nada fazem pela educação e ainda nos culpam por todos os seus problemas, inclusive financeiros. Leis são muito boas, mas, infelizmente, são apenas o começo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Clube

- E aí, quantos ficaram em provão contigo?

-Olha, eu acho que tem a metade da 1, dois terços da dois e quase toda a três ... deixa eu ver ... uns oitenta!

-O quê? Só na segunda série?

-É, e na primeira, a não ser na turma 1, ficou também quase todo mundo, mais uns 120 alunos.

-Então a direção vai botar umas três salas só pra ti no dia?

-É, e tu podes me ajudar, não?

- Claro mas eu também tenho uns 100 alunos em prova final ...

-Pois é são muitos né ...

-É. Esses alunos são muito fracos. Não prestam atenção, tão sempre brincando ...

-Imagina, eles nem sabem a formula de báskara ...

-O quê ? No ensino médio e ainda não decoraram?

-Pois é, eu que não vou ficar ensinando isso né, matéria de 1° grau ...

-Que barbaridade, né, os tempos não são mais os mesmos. Na minha época era tão diferente.

-Mas, mudando de assunto, tu ainda dá aulas particulares?

-Claro, eu estou com uns ... nove alunos fixos e mais uns três que vêm de vez em quando.

-Pois é, os pais daquela turma bem fraca da manhã, sabe? Vieram me pedir pra indicar um professor pros filhos. Eu fiquei louca pra dizer que eu também dava aula particular por 40 reais a hora (risos), mas não dá, não é ético, então pensei em te indicar ...

-Claro, amiga, faça como quiser, é uma prazer ... e uma graninha extra né.

-E tu também, se tiveres alguém, me manda, tá.

-Tá boa sorte e feliz ano novo.

-Prá ti também.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Salário

Tenho criticado aqui nesse blog publicamente a postura de certos colegas com relação a vários assuntos do cotidiano escolar: avaliação, violência, gramática, etc., mas isso não significa que eu não perceba muito claramente o que a maioria dos governos, sejam de instâncias diferentes, têm feito com aqueles que deveriam ser os profissionais mais bem pagos do mercado; os professores.

Em um não tão remoto passado os mestres lutavam por seus direitos em praça pública e eram aplaudidos e apoiados por toda a sociedade. Mães e pais de família pelo mundo afora tinham plena consciência que nas mãos daqueles preparados técnica e afetivamente para serem os transmissores, produtores e pensadores de uma determinada cultura residia o próprio futuro de toda uma sociedade e sua juventude.

Hoje há uma exagerada lente de aumento sobre nossas cabeças. Querem nos fazer pagar por tudo aquilo que jamais nos deram. Exigem de nós uma perfeição e uma capacidade que nenhuma sociedade jamais produziu. Uma grande confusão vem sendo feita pelos meios de comunicação a favor de certos grupos sociais inimigos da democracia e do desenvolvimento por conta do terror perpetrado a essa categoria que, se é uma tanto negligente em alguns aspectos profissionais, é muito mais uma grande vítima da circunstância.

Me dá profundamente nos nervos saber que os medíocres políticos brasileiros querem, mais uma vez, adotar para a tão precária educação do país modelitos importados da nação mais autoritária, competitiva e classista do mundo: os EUA. Como se já não bastasse o esdrúxulo tecnicismo que plasmamos do tio Sam (burramente defendido por muitos nobres colegas) querem agora viabilzar o fascismo em forma de lei: a meritocracia.

Ora, o professor trabalha muito, come mal, ganha pouco, não tem tempo de estudar, leva pilhas de trabalho pra casa, trabalha sábado, não pode fazer greve, e ainda tem que ser ótimo! Ridículo, não? Por que não fazemos o mesmo com os políticos que querem fazer isso conosco? Ou com os pais que apóiam essa idéia absurda de demitir quem aprova menos. Provavelmente querem delegar à escola sua ausência na educação familiar e culpar-nos por mais isso. Geralmente são esses mesmos que defendem com unhas e dentes o sistema seriado de aprova/reprova (eu, obviamente, não gosto desse sistema), mas querem punir o professor que reprova demais. Tenham paciência e me venham com um pouco de coerência.

Seria muito bom que o Brasil fosse a Finlândia. Lá o aluno decide o que quer estudar, o salário mensal é de 2500 Euros pra professores, não há nenhuma avaliação dos mestres, os alunos têm alto nível, todos ganham incentivos para estudar, e a educação vai muitíssimo bem, obrigado. A Finlândia teve um grande crescimento econômico por conta da adoção de um modelo descentralizado de educação nas últimas duas décadas. E nós, cucarachas que somos queremos logo pegar o paradigma americanóide, tão sectário. O Brasil é um país atrasado e tem uma elite retrógrada.

Ah, e não se pode falar em salário. Quem ganha mal tem que ser um ótimo profissional. Ser bom não tem nada a ver com ganhar bem. Religiosamente devemos respeitar nosso sacerdócio mitológico e nos esvoaçarmos como santos sobre as dificuldades, superando as barreiras materiais que nos impedem até de comer bem ou viajar. Não, quando falamos de qualidade de educação não podemos comparar o salário de um professor com o de um juiz, médico, engenheiro, político, ministro ou dos acéfalos jogadores de futebol. Não. Qualidade de educação, no Brasil, tem tudo a ver com reprovar demais e não com nosso medíocre salário.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Conselho

A professora interrompeu a reunião para falar urgentemente com os seus colegas sobre a situação da turma em que era conselheira.

- Pessoal, eu conversei muito com eles e eles estão falando muito do senhor professor. Uns falam muito bem, outros muito mal. Eu queria pedir que tivesse mais calma com eles, eles são tão carentes, precisam de carinho ...

Interrompi bruscamente e já, indignado.

- Peraí, professora, quer dizer que o problema sou eu. Depois de todas as ofensas que eu ouvi deles ao longo do trimestre, depois de eu ter, na primeira reunião do ano, solicitado falar com os pais deles e vocês terem me ignorado, depois de eu ter poupado a direção de registrar as ocorrências e matando tudo no peito, tu me pedes mais calma ...

Estava explodindo de raiva. A reunião com os pais tinha sido um sucesso, os alunos estavam se encaminhando para a consciência de suas burradas e a profi vinha ali me acusar e dialogar mais ainda, mais e mais. Chega, eles precisavam é de limite.

- Não, professor. Eu acho que temos que ter uma estratégia conjunta para agir com a turma. Eles reclamaram muito de ti ... – lá veio ela de novo me culpando.

- Querem uma estratégia, pois bem: Tolerância zero!

- Mais aí só vai piorar, retrucou – e os colegas desataram a me olhar com olhar de reprovação e foi um bochincho e tanto.

Me senti acuado. Quer dizer que o problema sou eu? Não é a educação que eles trazem de casa que é o problema? Eu tenho que ensiná-los a se comportar?

- Vocês vão me desculpar, colegas, mas estou me sentindo pressionado. Se eu estou com raiva? Sim, sou humano. Eu não sou obrigado aturar o que eu aturo, não sou pago pra isso ...

- É pago pra isso sim, retrucou uma professora, onde já se viu? Dentro da sala de aula tudo é tua responsabilidade.

-Em nenhum momento, respondi bufando, ofendi nenhum aluno pessoalmente, como eles tantas vezes fizeram. Não está na hora de nós mudarmos, professores, não somos nós os culpados pela turma estar fracassando. E eles vão rodar em massa, já vi isso acontecer antes aqui pelos mesmos motivos. Esse grupo está desorientado. Eles têm que mudar seu comportamento primeiro ...

-Mas são só crianças.

-É, mas a terceira pessoa, que é a turma, é um monstrinho bem idiota, que nunca deveria ter nascido, respondi esgotado.

Não é possível que ainda não tivessem se convencido que a educação que aqueles alunos (não) traziam de casa é que era o problema. Os pais que precisam vir a reuniões de turmas muito indisciplinadas adoram reclamar e fofocar fora da escola, mas nunca comparecem pra nos encarar frente a frente.

Por fim uma colega de quem eu gosto muito veio me aconselhar a adotar um espelho de classe para controlá-los e eu retruquei que eles tinham que aprender a se auto-gerenciar, ainda mais uma série avançada como aquela que logo estariam fora da escola. Ela argumentou que era minha missão educá-los a se comportar bem e eu disse que me recusava a fazer isso, que era coisa da família deles.

Enfim, o que era pra ser um Conselho de Classe virou uma guerra verbal de idéias filosóficas sobre educação.

Saí mal dali. Chorei, me arrependi de ter dito certas coisas, não porque estavam erradas, mas porque talvez ali ninguém precisasse, quisesse ou pudesse ouvi-las.

A raiva virou melancolia e depois tristeza. À tarde fiquei com preguiça e não consegui mais fazer nada direito. Não é nada fácil ser professor.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Avaliação

Avaliar é uma das atividades mais importantes que conheço. Analisar algo, avaliar determinado fato, pessoa ou lugar é algo que nos engrandece, nos humaniza. Como gostamos de ouvir um elogio depois de produzir algo significativo, e, é claro, uma boa crítica construtiva que nos fará mudar de atitude na hora de repetir um feito pra fazer melhor. Temos que ter muito cuidado ao investir nesse procedimento pois estamos mexendo com a auto-estima de alguém, seja este importante ou distante de nós.

Na rotina escolar, nem preciso dizer, a mensuração do aprendizado é algo fundamental. É a primeira conclusão, o espelho basilar que colocamos na frente do estudante pra que ele se mire, perceba suas dificuldades e deficiências e, em seguida, tente corrigi-las. Essa é a importância do Conselho de Classe (participativo) como instância essencial do processo avaliativo em termos coletivos, como orientação para o direcionamento do devir escolar.

Converso muito com meus alunos, os oriento, aconselho, ouço suas queixas na horinha de avaliar. Eles merecem esse retorno. Eles querem aprender (quase sempre) e se tornar seres humanos mais completos, mais acabados. Acredito que é o que a maioria ainda vem buscar na escola. Crescimento.

Aí, depois de todo o blá blá blá avaliativo, das risadas, filosofadas e gozos initerruptos sou forçado a atribuir a todo esse complexo ínterim um número. Número? Avaliar é algo, por natureza, qualitativo, e eu tenho que atribuir a isso uma grandeza? Ah, não dá. Ninguém é melhor que ninguém, ninguém é um número, a não ser talvez no sistema carcerário, nos cruéis treinamentos militares ou em uma fábrica. Nenhum aluno é um número ou uma letra para mim.

O que chamamos de nota ou conceito é algo esdrúxulo, inútil e injusto. Prejudica o processo pedagógico, ou melhor, o distorce. Meus colegas se utilizam do poder que têm sobre esse número para outorgar suas crueldades contra as pessoas que ensinam. Desumanizam tudo com seus somar e dividir, com cálculos mirabolantes pra dizer quem é melhor ou pior, ou ainda, quem vale mais. Vou mais além e chamo isso de dinheiro.

Essa moeda está em nossa propriedade, somos os banqueiros escolares (nosso salário é tão pequeno!), aqui somos ricos. Podemos tornar alguém pobre ou rico seguindo nossos próprios critérios. Somos como Deuses mágicos que classificam os pobres mortais segundo nossa própria sabedoria e competência, jogando no limbo da miséria aqueles que julgamos inaptos para o que nos interessa.

É uma grande doença, um vírus que se espalha e vai carcomendo a criatividade, o interesse, a verdade, a beleza de aprender. Isso mesmo, a nota é um vírus corrosivo. Já estamos tão acostumados com esse sistema de educação capitalizado que nem nos damos conta da imensa destruição que estamos causando ao (de) formarmos nossos alunos. Não importa aprender, basta passar.

Eu estudante tenho que ultrapassar essa barreira, e, não, aprender com ela. Tenho que usar de todos os expedientes para conseguir meu objetivo nem que seja fraudar (cola), mentir, enrolar, copiar, e, é claro, tudo com o menos esforço possível, pois aí sobra tempo pra coisas mais interessantes, verdadeiras e prazerosas como jogar futebol, andar de bicicleta, jogar vídeo-game, entrar na internet.

Eu, professor, não dou nota assim fácil não. Minhas provas são muito difíceis, e se eles não ficarem bem quietinhos como eu gosto, eu tiro nota deles, o que eles tão pensando?

Não. Se eles não passarem na minha matéria vão rodar só comigo, eu não passo ninguém, não dou pontos pra ninguém, nem que seja um gênio nas outras matérias. Os alunos é que têm que se adaptar a mim e não eu a eles. Eu ganho pouco mas tenho meu orgulho. E se for desrespeitoso já sabe: perde nota, anulo a prova e mando chamar a mãe, e não adianta ela vir cantar de galo comigo. Ela vai ver quem é que manda.

sábado, 15 de maio de 2010

Arte

Nada mais importante na educação do que a arte. A arte da beleza, da crítica, da profundidade, do emocional. A arte do comprometimento, da criatividade, do amadurecimento. Todo o resto deveria ser secundário. O poder da arte é muito grande, por isso ela é considerada secundária. É uma inversão absurda a que vivemos.

A frieza, a dureza, o sofrimento ao invés da boniteza. A mentira, a hipocrisia, a imposição ao invés da liberdade. São escolhas muito claras do padrão educacional que não deixam dúvidas quanto a seu caráter. Limitador, cabrestador, moldador. Não dá pra falar em ensinar sem arte. Quem não se artistifica se trumbica.

Nada compara uma bela produção plástica, uma pesquisa iconográfica, uma composição metafísica, a uma escritura autofágica. Comemos nossa própria cauda sofrendo com as agruras curriculares onde, nos parece, nada realmente importa. Dinheiro? É o que queremos quando nos educamos? É isso que compramos com nosso dinheiro? Mais dinheiro? Ou será que sabemos o que queremos comprar? Arte não se compra, se faz!

Todos precisam desesperadamente fazer arte com nossos alunos. Eles e nós precisamos disso. Sem criação não há solução. Só repetição não dá o mínimo tesão. É só castração. Abaixo a repressão! Chaga de enrolação, vamos ganhar um bolão! Viva a Educação!

Não é possível que em pleno século 21 continuemos reproduzindo as mesmas práticas de 40 ou 50 anos atrás. Que os alunos falem tão pouco. Que sua opinião seja tão pouco levada em consideração pra quase tudo o que se passa no ambiente escolar. Não é possível que não haja uma democracia plena em uma época em que democracia justifica até as maiores divindades e as piores atrocidades. Não é possível que uma andorinha só faça verão exercendo a função de carrasco peremptório da industriação do ensino. Não!

Mais conversa e menos falação. Mais música e menos sermão. Mais teatro e menos dissimulação. Nossa pátria é nosso coração. Chega de controlação, chega de ódio e recalque. Precisamos de renovação. O novo sempre vem, mas até quando vamos empurrá-lo para o mais além. Chega de clubinhos de conhecimento privado e pouca prática. Queremos aprender no dia-a-dia, onde nos leva nossa motivação. Vamos usar sempre essa tática. Onde estão os ciclos culturais, onde está o envolvimento coletivo, a troca, a confiança, o dividir? Não dá mais pra ser egoísta, todo mundo tem é que ser artista!