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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Médio

Um grande Nada toma conta dos estudantes quando eles saltam do ensino fundamental pra o antigo “segundo grau”. Eles ficam bem desorientados. Sentem o verdadeiro peso de sua ignorância. Quase metade deles é reprovado no Brasil de hoje. Esse ciclo começa com um grande fracasso e com uma dúvida? O que é que eu estou fazendo aqui? Para onde eu vou? Geralmente chegando no nada, não há nada a esperar.

Lá na última série (se ele conseguir chegar lá) vai começar a ficar realmente em dúvida sobre o que vai querer de sua vida como adulto. Vai prestar vestibular, o que cada dia fica mais raro. Ele não sabe bem pra que. O Ensino Médio não responde às dúvidas e anseios do estudante. Ele não sabe para onde ir. Alternativas como o pós-médio (cursos técnicos) se tornam realidade com a necessidade cada vez mais premente de entrar logo no mercado de trabalho, mas ele não sabe bem se é isso.

Em terra Brasilis o Médio não tem especificidade. Não recupera a defasagem anterior, isto é, do ensino fundamental, simplesmente reprova ou evade 50 ou mais por cento dos cadidatos. Não apresenta tampouco qualquer especificidade. São os mesmos “conteúdos”, em geral, vistos de forma um pouco mais aprofundada. Há montanhas a serem subidas, principalmente na área das exatas: matemática, química e física muito mais difíceis e substancialmente diferentes. São essas o pavor da galera, quando não tem um professor de História ou Português mais mala que também gosta de reprovar.

Pior, tudo no plano da abstração. Pouca prática e muita teoria. Impraticável pra os estudantes brasileiros. Na organização curricular, pelo menos matemática tem todo um destaque e uma enormidade de períodos a mais que outras disciplinas. Herança portuguesa e sua paixão pelo positivismo e sua inspiração cartesiana no cálculo, anti-iluminista coimbrense (Aliás, eu não sei como professores que têm o dobro de períodos que eu, e a metade do número de alunos, consegue reprovar 100 por cento a mais ... ???)

E cobra nota, muita nota. Cobra disciplina e obediência, cobra postura de adulto, mas vive-se em um estado ocorrencial policialesco onde os alunos são tratados como menores infratores, infantilizados pelo controle de atrasos e atas administrativas. Cobra-se maturidade mas trata-se com infantilidade.

Ah, e tudo é para o Vestibular. As provas objetivas predominam, para facilitar a correção dos esgoelados professores brazucas, e também porque é para o vestibular. Lê tais livros porque cai nos vestibular. O Ensino Médio virou um grande cursão pré-vestibular e perdeu a especificidade, é um nada. Ah, mas os mais espertos se deram conta que não funciona, porque temos que dar nota no ensino médio e isso não funciona quando se fala em vestibular onde a nota é algo ponderado entre várias disciplinas, então inventaram o Terceirão. Por que não erigir logo um Quarto ano?

Mas esse meio caminho entre a infância e a vida profissional continua vazio sem uma orientação vocacional. Sem um espaço onde o aluno possa imaginar o futuro. Um espaço criativo onde ele possa criar uma alternativa de vida nesse mundo tão surrado e egoísta. E aí ele se ressente daquilo que mais faz falta no mundo de hoje na educação: a arte. O vazio artístico, a miséria intelectual em que se encontram a maioria de nossos adolescentes não poderá jamais ser sanada se os senhores da educação não pensarem uma educação mais prática, artística, crítica e mais baseada na realidade cotidiana do aluno Brasileiro, que , meio às cegas, mas com sinceridade, busca ansiosamenete seu espaço na sociedade brasileira.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Bullying

Acho tão interessante que nesse começo de século as autoridades educacionais do mundo inteiro estejam se interessando por um fenômeno que sempre existiu na educação. A intolerância às diferenças, o complexo de superioridade de certas pessoas que descarregam nos mais frágeis suas frustrações é algo recorrente e desde sempre, em minha vida de estudante, aprendi a conviver com isso.

Fiquei sem caminhar durante dois longos anos por conta de uma doença que tive em minhas pernas. Sim, fui cadeirante. Sorte minha que no princípio do tratamento, quando tinha 10 anos apenas, morei em Curitiba onde, atesto, o Bullying não existia. Fui tratado com toda a dignidade e respeito que merecia e não havia dificuldades porque era um aluno excelente, sempre entre os melhores da classe, o que chamamos de CDF.

Mas, no ano seguinte, de volta a Porto Alegre, comecei a sofrer as conseqüências de estar imobilizado e ser muito bom aluno. Certos coleguinhas cuja mamãe protegia-os de tudo não aceitavam minha língua pronta para responder – inclusive suas provocações – e se aproveitavam de minha condição desvantajosa do ponto de vista físico. Na quinta série me isolavam em algum canto do pátio, apesar de meus gritos inaudíveis em meio à multidão, e me apedrejavam com torrões de areia. O caso ia parar na direção e minha mãe sofria para convencer a diretora a tomar alguma providência, uma vez que os abusadores eram filhinhos de famílias ricas.

Na sexta série a coisa continuou, mas como minha sala era no piso térreo era mais difícil me incomodar e, já cientes do problema, as auxiliares de disciplina me vigiavam melhor. Mas, na sétima a coisa tomou proporções gigantes. Me faziam ameaças e constrangimentos psicológicos constantes, dizendo que se eu revelasse a pressão, iriam me matar ou surrar, já que eu estava caminhando e ia a pé pra casa. Depredaram o carro de minha mãe quando finalmente contei, e continuei tomando chutes, socos e pontapés durante um bom tempo até que as famílias criaram consciência dos monstrinhos que tinham em casa e apertaram o cerco. Tudo cessou, até fiquei camarada de alguns dos meus opressores e, na oitava, pra evitar outros constrangimentos, a direção mudou todas as turmas, por conta de outros casos semelhantes, e aí criei a minha turma de adolescência que foi muito legal e inesquecível, mas isso é outro papo.

Por que só agora essa lei? Não carecemos de outros relatos sobre o tema, nos filmes de Hollywood ou mesmo nos europeus, e parece que surgiu tudo agora. E mesmo com a lei, vai continuar, sabe por quê? Porque a intolerância faz parte do processo escolar. É preciso mais que leis pra curar essa ferida.

As leis não terminam com a absoluta falta de integração entre as turmas de uma mesma escola – e porque não dizer “rivalidade” – e com toda a competitividade egoísta e desmesurada da comunidade escolar. Com o “empurra pra lá” porque o problema não é meu dos pais e dos alunos. Não vai mudar a mentalidade conteudista-tecnicista-behaviorista do currículo e do método de ensino dos professores que é altamente alienante.

Nós também não deixaremos de sofrer o “Bullying Nosso de Cada dia” por parte dos governos que pouco ou nada fazem pela educação e ainda nos culpam por todos os seus problemas, inclusive financeiros. Leis são muito boas, mas, infelizmente, são apenas o começo.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Clube

- E aí, quantos ficaram em provão contigo?

-Olha, eu acho que tem a metade da 1, dois terços da dois e quase toda a três ... deixa eu ver ... uns oitenta!

-O quê? Só na segunda série?

-É, e na primeira, a não ser na turma 1, ficou também quase todo mundo, mais uns 120 alunos.

-Então a direção vai botar umas três salas só pra ti no dia?

-É, e tu podes me ajudar, não?

- Claro mas eu também tenho uns 100 alunos em prova final ...

-Pois é são muitos né ...

-É. Esses alunos são muito fracos. Não prestam atenção, tão sempre brincando ...

-Imagina, eles nem sabem a formula de báskara ...

-O quê ? No ensino médio e ainda não decoraram?

-Pois é, eu que não vou ficar ensinando isso né, matéria de 1° grau ...

-Que barbaridade, né, os tempos não são mais os mesmos. Na minha época era tão diferente.

-Mas, mudando de assunto, tu ainda dá aulas particulares?

-Claro, eu estou com uns ... nove alunos fixos e mais uns três que vêm de vez em quando.

-Pois é, os pais daquela turma bem fraca da manhã, sabe? Vieram me pedir pra indicar um professor pros filhos. Eu fiquei louca pra dizer que eu também dava aula particular por 40 reais a hora (risos), mas não dá, não é ético, então pensei em te indicar ...

-Claro, amiga, faça como quiser, é uma prazer ... e uma graninha extra né.

-E tu também, se tiveres alguém, me manda, tá.

-Tá boa sorte e feliz ano novo.

-Prá ti também.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Salário

Tenho criticado aqui nesse blog publicamente a postura de certos colegas com relação a vários assuntos do cotidiano escolar: avaliação, violência, gramática, etc., mas isso não significa que eu não perceba muito claramente o que a maioria dos governos, sejam de instâncias diferentes, têm feito com aqueles que deveriam ser os profissionais mais bem pagos do mercado; os professores.

Em um não tão remoto passado os mestres lutavam por seus direitos em praça pública e eram aplaudidos e apoiados por toda a sociedade. Mães e pais de família pelo mundo afora tinham plena consciência que nas mãos daqueles preparados técnica e afetivamente para serem os transmissores, produtores e pensadores de uma determinada cultura residia o próprio futuro de toda uma sociedade e sua juventude.

Hoje há uma exagerada lente de aumento sobre nossas cabeças. Querem nos fazer pagar por tudo aquilo que jamais nos deram. Exigem de nós uma perfeição e uma capacidade que nenhuma sociedade jamais produziu. Uma grande confusão vem sendo feita pelos meios de comunicação a favor de certos grupos sociais inimigos da democracia e do desenvolvimento por conta do terror perpetrado a essa categoria que, se é uma tanto negligente em alguns aspectos profissionais, é muito mais uma grande vítima da circunstância.

Me dá profundamente nos nervos saber que os medíocres políticos brasileiros querem, mais uma vez, adotar para a tão precária educação do país modelitos importados da nação mais autoritária, competitiva e classista do mundo: os EUA. Como se já não bastasse o esdrúxulo tecnicismo que plasmamos do tio Sam (burramente defendido por muitos nobres colegas) querem agora viabilzar o fascismo em forma de lei: a meritocracia.

Ora, o professor trabalha muito, come mal, ganha pouco, não tem tempo de estudar, leva pilhas de trabalho pra casa, trabalha sábado, não pode fazer greve, e ainda tem que ser ótimo! Ridículo, não? Por que não fazemos o mesmo com os políticos que querem fazer isso conosco? Ou com os pais que apóiam essa idéia absurda de demitir quem aprova menos. Provavelmente querem delegar à escola sua ausência na educação familiar e culpar-nos por mais isso. Geralmente são esses mesmos que defendem com unhas e dentes o sistema seriado de aprova/reprova (eu, obviamente, não gosto desse sistema), mas querem punir o professor que reprova demais. Tenham paciência e me venham com um pouco de coerência.

Seria muito bom que o Brasil fosse a Finlândia. Lá o aluno decide o que quer estudar, o salário mensal é de 2500 Euros pra professores, não há nenhuma avaliação dos mestres, os alunos têm alto nível, todos ganham incentivos para estudar, e a educação vai muitíssimo bem, obrigado. A Finlândia teve um grande crescimento econômico por conta da adoção de um modelo descentralizado de educação nas últimas duas décadas. E nós, cucarachas que somos queremos logo pegar o paradigma americanóide, tão sectário. O Brasil é um país atrasado e tem uma elite retrógrada.

Ah, e não se pode falar em salário. Quem ganha mal tem que ser um ótimo profissional. Ser bom não tem nada a ver com ganhar bem. Religiosamente devemos respeitar nosso sacerdócio mitológico e nos esvoaçarmos como santos sobre as dificuldades, superando as barreiras materiais que nos impedem até de comer bem ou viajar. Não, quando falamos de qualidade de educação não podemos comparar o salário de um professor com o de um juiz, médico, engenheiro, político, ministro ou dos acéfalos jogadores de futebol. Não. Qualidade de educação, no Brasil, tem tudo a ver com reprovar demais e não com nosso medíocre salário.