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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

sábado, 28 de agosto de 2010

Adolescentes


 Eles não conseguem parar de falar nem um minuto. Adoram beber litros de cocacola e comer quilos de chitus, deixando um rastro de cheiro de vômito e xarope por tudo. O máximo é um maclanche feliz, um tênis nike e uma camisa do time do coração. O celular tem que bombar, no mínimo com tv e tela com touch. Agenda com o número máximo de possíveis azaros do finde (cada fim de semana se prova dez) e os últimos sucesso de hip-hop, funk, pagode e sertanejo no mp3 pra impressionar em todos os estilos. No discurso, o máximo de clichês possível “tipo”, “tá ligado?” Uma resposta com furtivo sorriso pra sair de qualquer situação. Com a galera total desinibição, com os adultos nem um pio. São adolescentes.
“Eu preciso passar na casa da Kelly pra contar que ontem o Mauro me ligou pra dizer que quer ficar comigo. Finalmente, ele só fica com aquela mocréia da Valquíria. Se ainda fosse com a Adri que é legal. Me disseram que ele ficou com a Jéssica, aí eu não acreditei. Pô o cara ficou com ela e não ficou com a Malu que é a cara dela, mas bem mais magra e tava louca por ele? Não sei se eu fico com ele de pena das baranga que ele tá pegando, ou porque eu gosto um pouquinho do cara, mas eu acho que eu prefiro o Vitor Hugo.”
“Bah, o pai do Filipe falou que lá na fronteira tem um monte de game sinistro muito mais barato que aqui. Bah tem um game que tem lá que eu sou o recordista em todo o mundo, sabe? O Alex falou que se eu registrar esse recorde eles me chamam por e-mail pra ir lá disputar o concurso no Japão. Aí eu pedi pro Cleiton comprar pra mim, já que ele tá indo, a última versão do bagulho, porque eles não aceitam a versão antiga. Irado, né, cara, eu vou ser o melhor do mundo.”
“A minha mãe bate todo o dia na porta do meu quarto de manhã dizendo pra eu acordar cedo, arghh, ela não sabe que eu gosto de dormir até tarde?É só porque eu tô mal em matemática no colégio e a professora mandou chamar ela lá pra falar com a orientação. Disseram que eu trato a professora mal. Ai, que saco, agora a mãe fica toda hora me dizendo o que eu tenho que fazer, me diz umas três vezes por dia que eu tenho que estudar, que se eu rodar eu não vou pra praia. Que mala.”
“Acho que o Milico não tomou o gardenal dele hoje … há há há, que que é milico, não tomou teu gardenal hoje? Olha a cara dele, há há há, esse monte de espinha, as guria não querem nada contigo, milico, há há há, o milico vai tê que tira o atraso com as égua lá do sítio do tio dele, há há há, não, ele nem vai tirá o atraso porque a vida sexual dele ainda nem começou, ele tá com a mão cabeluda, olha ali, há há há, “OLHA AQUI, ELE TEM MESMO UM CABELO NA PALMA DA MÃO.”
“O que que estes caras lá de baixo querem, que eles vão amedrontar o meus camarada? Não vai tê pra eles não, vamo armá um barraco lá na porta do colégio. Ô, alemão, chama o Betinho e o Lucas lá em cima pra gente dá uma banda lá no colégio e dá um susto nesses moleque metido aí, meio burguês, nojento … eu vi um deles chegando com o cabelo molhadinho no carro do pai, um Corolla, tá bem de grana, tá frouxo, a gente ainda arruma uma parada, um troco pra nós. Chama lá.”
“Tu tem certeza que tu não tá gravida? Eu acho que não, quer dizer o exame deu negativo. Mas tu fez cedo demais, aí não funciona direito, eu acho que tu devia ir num médico. Tá louca, tu é mesmo minha amiga, e se a minha mãe descobre eu tô ferrada, ela ainda acha que eu sou virgem. Mas tu não para de vomitar desde ontem, assim tu vai ficar mal. Ah, eu sou bebi um pouquinho demais, eu acho que eu me abalei com a separação, até que o cara era bonitinho né? E tu transou com ele? Não deu, a mãe dele tava em casa e entrava no quarto toda hora pra mexer num armário que tinha os sapatos dela, e ficava me encarando. Ah, um cara que deixa a mãe fazer isso não é legal né. O Pior é que tinha cheiro de graxa naquele colchão dele … ai, eu acho que eu vou vomitar.”
“Ô, pessoal, será que eu posso dá a minha aula, vocês têm como parar de falar um pouco, por favor. Não eu não vou dizer as notas de vocês hoje. Eu sei que vocês tão angustiados mas não deu tempo de corrigir ainda. Não, não vou corrigir agora. Não, não dá pra ir ao banheiro agora, não, e também não dá pra ir ao xerox. Ô, moça, dá pra tu largar o tema de literatura, agora é aula de História. E vocês aí do fundo, é vocês quatro, dá pra diminuir a voz um pouquinho, pra eu não ter que forçar a voz. Eu já estou com um zumbido no ouvido de tanto gritar pra competir com vocês, assim vou ficar sem voz, hoje é só terça, eu dou aula até sexta e já estou rouco, tão vendo, como tá a minha voz? Ô, tu aí, tá ouvindo o que eu estou falando? E vocês dois, não dá pra ouvir mp3 durante a minha aula, essa é uma aula importante. Não de vocês eu não aceito mais desculpas porque já a milésima vez que vocês fazem isso. Sim, podem entrar … mas sem conversar, já tá difícil de iniciar a aula aqui. O que mesmo que eu tava falando?”
“Não, tu não vai sair hoje. Já disse que não. Não, não é só porque tu tá mal no colégio, mas é porque tu não me ajuda nada em casa. O que que te custa lavar uma louça e recolher as roupas sujas do banheiro? Dorme até tarde, come a hora que quer, não limpa nada e ainda fica brabo quando eu falo no telefone porque tu tá vendo televisão. Mas que desaforo! Chega! Tu não quer nada com nada, só pensa em vagabundear e trabalho que é bom, nada! 5 anos fazendo o ensino médio e ainda não te formou. Arranja uma mulher e casa, cria juízo e me deixa em paz, não aguento mais as tuas confusões, teu mau humor e a tua sujeira. Se não gosta dessas regras, vai morar lá com teu pai!”
Eles são sociais demais, consumistas demais, dependentes demais, tímidos ou caras-de-pau demais, irresponsáveis e distraídos demais. Falam, falam, falam pelos cotovelos, deixam a gente com stress auditivo. Dormem doze horas seguidas, sextas e sábados saem cedo e voltam tarde. Usam o celular até pra coçar a orelha e tão sempre pedindo dinheiro. Bom, há os que não se enquadram exatamente nesses esteriótipos, mas vão apresentar algum desses comportamentos eventualmente. Amar o que todos amam, dividir o que todos dividem, parecer o mais igual com os que ama possível, achar um micão ter que pagar um micão, ficar com alguém de vez em quando pra não virar um et. Cuidado com ideologias radicais em exagero, e não se esqueça de pensar um pouco no futuro de vez em quando.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Crianças


Tenho pedido a meus leitores que mandem sugestões de temas sobre os quais me incumbirei de escrever. Essa primeira tarefa me parece a mais difícil que já enfrentei. Minha mulher, de tanto ver eu falar de educação e de tanto discutirmos sobre nossos filhos, me encarregou de dissertar sobre crianças. É tão rica a matéria, me sinto tão emocionalmente envolvido com esse assunto que na hora de imaginar o que eu escreveria, me embaralhei. Criança é tão maravilhoso, a experiência de ter um rebento é tão significativa, minha própria infância foi tão inesquecível que senti que nenhuma prosa que se pretenda com estilo e originalidade pode atingir a beleza e o brilho da juventude.
Estar perto delas pela manhã, consertar tudo a partir de um simples sorriso infantil é uma benção. Ensinar-lhes coisas significativas sobre a vida e as sociedades ao longo do tempo é uma missão quase sagrada, tamanha a magnitude do fenômeno juvenil. Partindo desse princípio, de que a era da inocência é a fase mais importante de nossa existência, nós, adultos, deveríamos ter capacidade de tratar os pequenos sempre com o máximo de carinho possível, pois o básico que eles precisam para serem grandes e emancipados, é, além da comida, moradia e escola, muito amor, carinho, paciência, atenção e o menos possível de violência de nossa parte. Isso se resume a limites negociados a partir de nossa orientação, como adultos cientes de nosso papel como educadores.
E aprender, relembrar, reviver. Tudo o quanto já vivemos, revisto, revisado, retrabalhado. As crianças são os verdadeiros porta-vozes do que a humanidade deve ser. Sempre doce, sempre sincera, sempre pacífica. A violência na qual a menina ou o menino se envolvem não é culpa deles. É resultado da educação que lhes damos em casa, na escola, em lugares públicos, quando cuidamos do que veem, leem e escrevem. Criamos nossos filhos à nossa imagem e semelhança. Não são parte de nós apenas biologicamente, mas cultural, afetiva e psicologicamente. Nossos filhos são o que somos, e a partir de um certo momento vão se distanciando e sendo uma outra entidade, original e irrepetível, que tem ideias próprias. Um “outro nós” que tomou rumo próprio.
Ser criança é não ter medo de nada, comida na mesa e roupa lavada. Estudar de manhã e brincar de tarde, de noite a família. Ouvir história, andar de bicicleta, eu sou tua mãe e tu é minha filha. Mamãe posso ir, esconde esconde, fecha essa braguilha. Como é divertido ser assim piá e ter liberdade, de ser quem eu quero, por todos os dias. Ninguém devia nunca deixar de sentir o que sentiu quando criança, sem enrolar, de ser criança mesmo. Porque sem criança o mundo fica sem sentido, perde a graça, pede o encanto, fica vazio, não existem anjos. Porque criança é sempre o mais importante.  

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Mudança



Em época de eleições tem um monte de candidatos a um bolo de cargos diferentes que diz que fez isso, que vai fazer aquilo pela educação … eu não acredito em ninguém! Porque se alguém disser que fez quando foi governo, seja lá quem for, não diz a verdade. A Educação pública no Brasil, desde criada, isto é, no governo Getúlio Vargas, nunca cumpriu totalmente sua função. Recentemente muitas medidas administrativas e políticas públicas foram implementadas, mas, efetivamente, muito poucas delas deram resultado significativo, persistente, capaz de mudar a macro-realidade pedagógica no país.
As mentes obtusas e atrasadas, sem visão que contemple a Educação como algo independente e livre do sistema capitalista, não têm condições de mudar nada. A educação, quando ela funciona de verdade, é uma espécie de Revolução que afeta tudo à sua volta. No Brasil a Educação só é afetada pelas coisas e não afeta quase nada, nem entre os pobres, nem entre os ricos, e, quando afeta é pra reforçar o sistema educacional vigente: autoritário, classificatório, excludente, discriminatório, etc.
Portanto, já que ninguém fez, e aparentemente fará, de fato essa revolução, pelo menos a médio (esperemos um longo) prazo, vão aqui umas arrogantes dicas para os políticos, se quiserem pensar melhoria da educação de Verdade, façam o seguinte:

  1. Pague muito bem os professores. De preferência que eles trabalhem tipo, 20 horas por semana e tenham também tempo para ler, fazer cursos, ir ao cinema, ao teatro, levar a filha ao parquinho para andar de balanço, praticar esportes. Tudo bem, se for 40 horas, o cara, por dedicação exclusiva, ganhe tipo 50% a mais em cima do básico. Ah, e sem esquecer um tempo para uma viagenzinha.

  2. Professor tem que ter, pelo menos, 3 meses de férias, por estar metido em uma das profissões mais estressantes, arriscadas e monótonas de todas. Corrigir 300 provas que envolvem 30 coisas diferentes dá um nó na cabeça e no braço de qualquer um. Estar sujeito a tomar rasteiras, receber empurrões, sofrer Cyberbuylling, ser atropelado na saída da escola por pais descontrolados, não é fácil. Ficar repetindo a mesma aula pra 5 turmas diferentes, uma atrás da outra, no mesmo dia ninguém merece.

  3. Obrigar as mantenedoras a manterem um quadro funcional realmente capaz de dar conta do negócio, sem sobrecarregar ninguém, para que o serviço seja bem feito. Admissão de funcionários, só por concurso. Concursado exerce só a função do concurso. Que tenha pra tudo: Bibliotecária, Orientadora, Psicóloga, Supervisora, e até, professora. As escolas, (todas) têm que ter, direções eleitas pela comunidade, com cada voto valendo o mesmo.

  4. Todas as Escolas têm que ter: Projeto Político Pedagógico, regimento, e sistema de avaliação autônomos, mas, não podem desrespeitar princípios básicos da carta maior que é a LDB. Aliás, precisa ser melhorada e algumas questões têm que ser mais especificadas do que na atual. Também não pode faltar, uma ótima sala dos professores, com sofás pra gente deitar entre um turno e outro, microondas, pia, ar condicionado, muitas cadeiras, pelo menos 2 mesas e poltronas. Não pode faltar sala de informática, anfiteatro, ginásio poliesportivo, ampla e atualizada biblioteca, um datashow e aparelho de som, dvd e computador em cada sala, tudo com acesso a internet banda larga. Muitas tvs, música ao invés de sirenes, cursos gratuitos de música, festivais de teatro, pintura e redação. E, claro, lindas festas.

  5. As turmas não devem ter mais de 25 alunos, em qualquer nível do ensino básico, e 35, no médio e no universitário. É claro, têm que pagar mais professores, ampliar o quadro funcional para dar conta de mais essa tarefa. Acho que essa é particularmente importante hoje em dia pois quem está em sala de aula sabe o que é o nível de agitação dos jovens de hoje. Além do mais tem gente de todas as classes sociais lá, o que aumenta a tendência ao choque de culturas, brigas, pegação de pé, panelinhas, desunião, etc.

  6. Passar a ver combate a drogas como uma consequência da sociedade opressora e não como causa dela. Tratar o viciado como doente e não como criminoso. Combater as drogas usadas pelos ricos mais do que as usadas pelos pobres, pois é aí que está o furo. E principalmente, pensar melhor a jurisprudência a respeito do assunto. Copiar os exemplos bem sucedidos e descartar modelos mal sucedidos peremptoriamente como o nosso.

  7. Convencer a burguesia brasileira de que um povo bem educado é só lucro pra ela. Tá bem, se esse povo eleger alguém á esquerda, seus burgueses, vocês vão enriquecer mais do que com alguém da direita. Ah, se a gente fizer reforma agrária, vai ser melhor pra todo mundo, inclusive pra vocês.
Sei que não é uma tarefa fácil, mas podia começar por aí. Isso aí custa muito, muito, muito menos do que todo o dinheiro desviado em corrupção (que não é nada pouco), obscenas campanhas eleitorais e gastos em propaganda de qualquer governo. Também é muito menos do que 1/3 das 20 maiores fortunas do Brasil somadas, que seus respectivos donos poderiam perfeitamente doar porque, com certeza, não vai lhes fazer falta nenhuma, nem pelas próximas 10 gerações de suas famílias, nem aqui nem na eternidadade. Portanto, comecem logo e não nos enrolem mais.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Educação

O motorista viu que eu tava sozinho na parada e parou dez metros adiante, fui correndo pegar o ônibus e já ia subir e reclamar quando quase fui amassado por um jovem com uns fones de ouvido enormes e cantando alto. Me deu um ombraço no peito e subiu primeiro. Eu fiz uma cara feia mas ele nem ligou. Perdi a vontade de reclamar pro do volante. Passei na roleta e sentei no único lugar livre do ônibus. Perto da roleta, toda a hora as pessoas tropeçavam em mim. Eu tava meio pra fora do banco porque o cara do meu lado tava com as pernas bem abertas e olhando pro outro lado. Quando sentei ele abriu as pernas mais um pouco. Fiquei quase pra fora do banco. O rapaz com os fonezões mexe no celular e começa a tocar um funk bem alto pra todo mundo ouvir, “vai rolá, vai rolá, nos vamu infernizá, vai rolá, vai rolá, vem vem cá me beijocá”, bem alto, quase do meu lado. Na parada seguinte só tinha uma senhora de cabelos brancos que acenou, mas o motora não parou. Logo que passou, olhou com um sorriso malicioso para o cobrador e começou a falar, achando que tagarelava em “código”: “se a gente não cumpri o que o patrão qué, a gente se dá mau, né”. O cobrador sorriu de volta. Enfim, em um bolo de gente no ponto seguinte sobe uma heroína de uns 80 anos, mas inteira. Com alguma dificuldade, atropelada por uma moça que perguntou se o ônibus “vai pro barra? me avisa quando for a parada do barra, tá?”, ela ultrapassa bravamente a roleta e descobre que não tem nenhum lugar pra ela sentar. Tento chamá-la para o meu, mas ela não me ouve lá do fundo do busun. Mas eu a ouço, timidamente, perguntar pra um rapaz de uns vinte e poucos anos de idade, cuja cara esta virada pra janela fingindo que não é com ele, “meu filho, deixa eu sentar?”, “eu cheguei primeiro minha senhora”, alguns em volta começam a olhar curiosos para a situação, “mas esse lugar é para idosos”, “não tem nenhum cartaz dizendo nada”, ele começa a ficar sem jeito apesar da negativa, a idosa desiste depois de dar um forte suspiro e fazer sinais negativos com a cabeça. Ninguém diz mais nada. Falo pro cobrador, “ô, cobrador, pede praquele rapaz lá”, e aponto, “ceder aquele lugar praquela senhora, ela tem direito”. O cobrador vira a cara. “Ô, cobrador, vai fingir que não é contigo, cumpadi?”, “eu não vou fazer nada”, e olha pro outro lado de novo. Não tive coragem de ir adiante. Cheguei na escola. Abri a porta da sala dos professores e uma colega aos berros diz “adoro essas notícias só de violência. Estupro, terremoto, eu fico grudada horas vendo notícia disso”, a faxineira responde “ai, eu também, adoro, até jornal eu compro”. Uma diretora entra correndo pela sala e fala, “pessoal, colocaram palitinho de fósforo nas fechaduras das portas dos professores da área, mas nós já chamamos o chaveiro”, “não, de novo?”. Enquanto a galera vai ver de perto o que houve vou à cozinha pedir algum produto que me ajude a desgrudar o chiclé da minha bunda, acho que peguei no ônibus e não vi. Passo pela sala da direção e vejo uma das professoras do currículo segurando um aluno que tenta agredí-la enquanto a ofende com palavrões escabrosos. Ai, nem dou bola, vou para minha sala ver o que houve e meus alunos de longe dizem “aaaahhhh, ele veio. Por que o senhor não ficou em casa?”. Senti um nozinho na garganta e transmutei em raiva. “Por que tu não ficou em casa?”, “ai, professor, puxa ...”. Depois de meia hora no frio, entramos. Começo a minha aula e tal. Três meninas no fundo da aula estão sentadas quase em roda, uma de costas pra mim, “hei vocês meninas, poderiam, por favor, parar de conversar pra eu poder dar aula?obrigado”. Elas fazem caras de brabinhas. Recomeço, imediatamente elas recomeçam também. Paro de novo, “ô garotas vou ter que separar vocês? Não é 5ª série, vocês tão na oitava ...”. Recomeço, nem dois minutos, bastou pra elas tagarelarem. “Tá, deu, tu senta lá, tu lá e tu lá, vamos, rápido que eu não tenho todo o dia”. Uma hora depois, dou uns exercícios e saio rápido para ir ao banheiro quando vejo uns pequenininhos fazendo guerra de maçã. Um deles tem a calça gorda. Tira a fruta do bolso, dá uma mordida, gospe no chão e joga, com toda a força na cabeça de uma menina que começa a chorar. A supervisora aparece e acaba com a cena. Volto correndo. Quando chego o corredor está cheio de futas esmagadas misturadas com terra e papel picado. Três meninos da minha turma estão jogando futebol com um toco de cachorro quente. Fico possesso. Dentro da classe há duas meninas de pé em cima de uma carteira vendo tudo e gritando, “vai cara, dribla ele ...”, enquanto dois rapazes estão agarrados se soqueando no fundo da sala. Ai, não sei o que fazer. Levo pra direção, acalmo aqui … opto pela última alternativa. Recomeço, duras penas, a falar, batem na minha porta. Uma senhora que eu não conheço me aponta o dedo e começa a gritar, “o senhor não pode dar zero pro meu filho porque ele é um ótimo aluno, meu guri trabalha pra ajudá o pai dele que é paralítico e eu vou denunciar o senhor lá na secretaria ...”, até que uma moça aparece e diz, “mãe, não é esse professor aí, é lá da outra sala”, a mãe gritona não me diz mais nada e repete a cena duas portas adiante, vejo o colega perder a calma e responder na mesma moeda e penso, pra mim chega. Esse negócio de educação é muito complicado.

domingo, 1 de agosto de 2010

Volta

Voltar para aquilo do qual nunca saímos. Eis a dificuldade de encarar a volta. Vamos longe agora sem mais fugir. Vamos até o fim lutando baravamente, contra aqueles que nos importunam cotidianamente, geralmente por questões mesquinhas e sem importância e relevância para a sociedade. Geralmente motivos mais pessoais. Vamos lutar contra a falta de dinheiro, tempo, paciência, saldo bancário, esperança de significativa melhoria, esperança de melhorar o mundo com a ajuda de todos. Vamos dar alô a um grande BASTA nas coisas que estão erradas em nossa vida. Vamos consertar uma por uma, sem preguiça.

Caminhar vagarosa e atentamente para o descanso merecido, as festas, as férias lá perto do fim do ano. Sonhando a todo momento com a praia em que vamos estar, o cheiro da areia, o gosto sal, o cansaço à tarde. Aquela companhia que se faz distante, mais próxima, o cheiro, o gosto, a silhueta mágica. A saudade do que não veio misturada com o todo vivido em outras praias. Sentir a maresia é preciso, a cada instante na volta. Pra volta ser gostosa.

Dizer olá, beijar a todos, sentir a alegria de compartilhar o mesmo espaço, a mesma comida, as mesmas relações, solidas ou instáveis, matéria do dia-a-dia do nosso trabalho. Sempre tão quente, borbulhante e exigente. Lá vamos nós transformar a massa (cinzenta) em algo aceso, vivo, brilhante. Quem consegue mais nesse inicio? Quem conseguirá, nos primeiros dias chamar mais positivamente à atenção de nossos pupilos? Quem deseja e se esforçará para isso?

Quem merece estar aqui? Quem acha que já lutou (pra voltar) o suficiente em sua vida ou aqueles que tornam cada dia em uma constante (revira) volta em seu trabalho? Sim, porque mestre que não se revoluciona todo tempo não é mestre. Não é mestre aquele que apenas revive um pobre e tedioso repeteco automatizado e quase mecânico de suas próprias neuroses, transformando isso em aula. Se é que isso é uma aula. É preciso fugir disso, buscar sempre alternativas de socorro à carência, à falta de apoio ou reconhecimento de seu devir. Isso deixa nossa auto-estima lá embaixo.

Mas sobrevém sempre aquela vontade de mudar, achar novas e criativas maneiras de reinventar a rotina, principalmente quando se trata de educação, fenômeno no qual a criatividade é fundamental. Não podemos esquecer de improvisar com nossas virtudes, surpreender com nossos anseios e sonhos, como qualquer ser humano faz quando se trata de relações. Não há aproximação, e portanto aprendizado, sem a atenção devida e a abdicação respeitosa, sem a percepção de que somos como irmãos mais velhos conduzindo a nova geração a uma possível vitória sobre o difícil futuro que se avoluma à nossa frente.

Foto: Inezita Cunha