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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Loucura


Mas será que o trem azul não passa mais por aqui? Menina, mas eu vim parar aqui porque eu pensei que ainda parava. Não, porque eu caminhei muito pra subir toda essa lomba, eu subi e desci escada, eu li mais de 500 livros, eu me instrui por 20 anos seguidos, eu estudei pra concurso, eu virei noites em claro, eu dormi um dia inteiro, eu lavei muita roupa, eu bati muito xerox, eu fiz show pra dez mil pessoas! Será que isso não vale estender a linha até aqui?
Mas o que que essa gente tá pensando! Que pode olhar pra mim como se eu fosse a mosca do cocô do cavalo do bandido de um filme B? Por que, eu tenho cara de cocô? Eles é que tem cara de merda! Eles fedem, e fedem muito! Eles não são amarelo, vermelho, verde ou azul. Eles são marrons ... Quando alguém diz que a verdade é aquela, eles acreditam que a verdade é aquela, mas se amanhã alguém disser alguma outra coisa, eles mudam de opinião rapidinho, tudo pra parecerem bonitos. Sim, porque eles se acham muito bonitos. Lindos, na verdade. Olha, eles vão todo o dia no cabeleireiro, e pintam as unhas de rosa. Roossaa! Há, há, há, há ,há ,há ,há. Não aguento mais não. Ver eles ali tão supridos de trens e eu aqui subindo, subindo e nunca chegando numa parada. Pelo amor de deus, presidente, estende a linha até aqui...

Proteção



Entro na sala e ponho a armadura
sem proteção, Jorge, ninguém segura
os gritos, vaidade, suplício sem fim.
Como foi, realidade, que ficaram assim?


Só me faz de palhaço, de trouxa sofrido,
educação de verdade? Não, me encontro batido.
Me acalma o remédio, prazer escondido,
nesse modelo arcaico, velhaco e falido.


Vou me mandar pra lua ou pra uma montanha
ou rastejar na lama, assim ninguém ganha.
Quanto tempo se perde em inútil barganha?


Pra que tanta verdade se tudo é mentira?
Realidade me faz de alvo e mira,
fugindo pro médico, para que eu me insira.

Fotografia por Inezita Cunha.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Não-lugares


Outro dia, em sala de aula, eu estava dando explicação sobre um assunto que eu considerava bem complexo e que exigiria atenção total dos estudantes. Os preveni sobre isso antes, e pedi que não me interrompessem para que eu não perdesse o fio da meada. Tudo bem. Prestavam atenção e, de repente, uma moça sentada quase na frente, virou meio de costas pra mim, abriu a bolsa e retirou um espelhinho, um batom e um estojinho. Começou a retocar a maquiagem, colocou o vermelho forte nos lábios e ajeitou o cabelo. Como que contaminada, sua colega logo ao lado sacou um esmalte e começou a pintar calmamente as unhas. A essa altura, já começaram a conversar enquanto executavam o serviço.
A turma nem deu bola. Eu de imediato, não consegui interromper, pois fiquei meio pasmo. Quando me dei conta do que se passava o cheiro adocicado do esmalte de unha já tomava a sala toda e provocava caras de enjôo, provavelmente, inclusive, a minha.
Um ou dois dias depois, em um início de período com as crianças, me esforçava para conseguir algum silêncio. Reparei que havia um menino conversando (ou cantando) baixo com um colega com enormes fones de ouvido “atarrachados” na orelha, alheio ao que eu tentava estabelecer. Simultaneamente, uma outra aluna estava praticamente deitada em cima de uma classe, dando gargalhadas enquanto mostrava a tela de seu celular a outras duas que riam junto com ela.
Não sou nada a favor de moralismo ou de criticar nossa cultura sob o ponto de vista de uma outra. Mas se um aluno fizesse isso no Japão, provavelmente seria suspenso e sua família poderia ser humilhada por não ter-lhe dado educação de como se deve agir em uma escola. É claro que os brasileiros são mais expansivos e naturalmente mais inquietos e ansiosos, mas somando o fenômeno celular-internet à vaidade incontrolável das patricinhas, chegamos à seguinte conclusão: qualquer lugar é lugar pra tudo, pois, com a importância dada ao mundo virtual, cada vez menos os lugares têm significado.
Tudo virou um grande Não-lugar ou Qualquer-lugar. Quando peço licença pra passar, meus alunos não só não entendem bem o que digo, como não se movem e ainda fazem cara feia. Além da pouca mobilidade dos “filhos de apartamento”, perderam a noção de que um determinado espaço se diferencia de outro pela utilidade. Quarto serve pra dormir e namorar, sala pra ler ou assistir televisão, cozinha pra preparar comida. Mas em qualquer lugar (todos, nenhum) se encontra o binômio celular-internet.
O mundo virtual é um lugar irreal fisicamente, só existe enquanto impulsos elétricos, imagens na tela ou na mente do usuário. E para a imaginação não há limites, tampouco fronteiras entre o que é e o que não é. O paradoxo é que a imaginação deveria ser libertária, mas nos escraviza no mundo real, que se transformou em um avatar do cyberspace, delimitando padrões de comportamento sem espaço para a criatividade. Nesse confuso mundo paralelo, qualquer espaço é possível, sempre através da mesma tela.
Por isso o comportamento inconsistente. Seja na aula, num bar, no shopping, no cinema, no ônibus. Pode-se fazer de tudo, viajar conversando e navegando, ir ao cinema e ficar falando ao terlefone e claro, se maquiar na sala de aula, tudo com o celular ao alcance da mão.
 Foto by Inezita Cunha