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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

ENEM


Há 30 anos atrás o vestibular parecia condenado. Enquanto vivíamos o fim da ditadura e lutávamos por uma sociedade mais justa e igualitária, discutíamos como aquele governo podia ter se vendido tanto à ideologia norte-americana. Era possível, apesar de todos pagarem a conta, que só alguns privilegiados tivessem acesso à Universidade Pública? E os sistemas de avaliação, copiados da cartilha yankee que reproduziam a velha competitividade protestante-capitalista? Com o passar do tempo passamos a chamá-las de “questões do tipo objetiva” (falsa objetividade, por trás do enunciado e das alternativas, está a escolha do examinador).
Quando prestei a seleção pra UFRGS pela primeira vez, em 1985, o modelo “objetivo” estava predestinado a desaparecer e nos anos seguintes surgiram as questões discursivas no exame da Federal. Elas eram bem interessantes e, como exigiam a escrita, habilidade fundamental ao estudante, a seleção era melhor. Mas o Sistema não deu certo. Levava ainda mais tempo do que hoje pra corrigir as provas. O estado falido da Nova República sucateava as Universidades públicas. O retrocesso ao modelo antigo (pseudo) objetivista chegou pra ficar.
Ninguém podia imaginar que tempos bicudos viriam. A era FHC. O neoliberalismo globalizante bateu feio, e os mecanismos de responsabilização das classes menos favorecidas apareceram, mais uma vez, importadas do Tio Sam. A culpa não era do estado, que diminuía, murchava ao som de uma valsa triste, e ignorava as áreas sociais. Era dos funcionários públicos e, principalmente, dos professores. Eles eram os responsáveis pelos problemas de evasão, desistência e repetência que assolavam a educação do país desde sempre.
Sua ignorância, incompetência e corporativismo desenfreados tinham criado tudo aquilo. Aquela situação vexaminosa era nossa culpa desde sempre, para sempre. Então vamos medir isso. Medir? Alguém pode medir, de uma maneira mecânica, (pseudo) objetiva, ignorando as particularidades das culturas regionais, de uma forma unificada no país inteiro, contrariando as determinação da carta maior que é a LDB, o que os estudantes andam aprendendo? Isso é o ENEM, Essa tentativa de realizar um feito irrealizável, que é ainda mais injusto que o Vestibular por ignorar as diferenças.
Vi meio de fora essa discussão recente sobre o fim do Exame. Ele se tornou algo que nunca era pra ser. Eu sempre fui contra, mas aí vi os donos dos cursinhos pré-vestibulares defendendo o fim da prova porque o ENEM vem tomando o espaço deles desde que se criou o pró-uni. Há, há! O governo constrangeu as universidades a aceitarem o exame como critério de avaliação pra ingresso nas instituições. Os adolescentes de todo o país se voltaram ao fenômeno, a coisa toda cresceu até se tornar o monstrinho que está hoje …
Sempre achei e sempre acharei que o acesso a universidade é um direito de todos. Ninguém que contribua com impostos tem menos direito. Se não tem lugar pra todos, por que não sortear? (Ah, pode ser que tenha fraude no sorteio …) Ou será que o João da Silva, negro e que nasceu pobre e teve uma educação de baixa qualidade tem menos direito que o Maximiliano que estudou nas melhores escolas particulares? Os dois pagam o mesmo imposto proporcional à renda, imbutido na cesta básica, sacramentada pela propina nossa de cada dia … então os direitos são iguais. Sorteia.
Ou faz melhor: aumenta o salário dos professores, diminui a carga horária, bota todo mundo num mestrado ou doutorado, reduz os dias letivos, faz uma formação continuada e coloca os alunos nas universidades com as notas deles no Ensino Médio. Afinal, pra que serve o ensino Médio? Teria ele se tornado (pretensa mas infundadamente) um grande cursão pré-vestibular? Atentando pra impossibilidade de realizar tal tarefa, as particulares criaram o “terceirão”. Vamos fingir que estamos fazendo o que é impossível?
Enquanto debatemos sem respostas e sem certezas a inespecificidade do que estamos ensinando, os ricos galgam posições preparando melhor seus filhos em boas escolas pagas e adotando a educação integral. O que é público corre atrás disso tudo com as pseudo-avaliações ditando direções errôneas, competitivas e pouco solidárias, e só onde o Brasil não avança muito e profundamente, é na educação. Eu, continuo com minha incredulidade agnóstica.    Fotografia by Inezita Cunha