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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Não-lugares


Outro dia, em sala de aula, eu estava dando explicação sobre um assunto que eu considerava bem complexo e que exigiria atenção total dos estudantes. Os preveni sobre isso antes, e pedi que não me interrompessem para que eu não perdesse o fio da meada. Tudo bem. Prestavam atenção e, de repente, uma moça sentada quase na frente, virou meio de costas pra mim, abriu a bolsa e retirou um espelhinho, um batom e um estojinho. Começou a retocar a maquiagem, colocou o vermelho forte nos lábios e ajeitou o cabelo. Como que contaminada, sua colega logo ao lado sacou um esmalte e começou a pintar calmamente as unhas. A essa altura, já começaram a conversar enquanto executavam o serviço.
A turma nem deu bola. Eu de imediato, não consegui interromper, pois fiquei meio pasmo. Quando me dei conta do que se passava o cheiro adocicado do esmalte de unha já tomava a sala toda e provocava caras de enjôo, provavelmente, inclusive, a minha.
Um ou dois dias depois, em um início de período com as crianças, me esforçava para conseguir algum silêncio. Reparei que havia um menino conversando (ou cantando) baixo com um colega com enormes fones de ouvido “atarrachados” na orelha, alheio ao que eu tentava estabelecer. Simultaneamente, uma outra aluna estava praticamente deitada em cima de uma classe, dando gargalhadas enquanto mostrava a tela de seu celular a outras duas que riam junto com ela.
Não sou nada a favor de moralismo ou de criticar nossa cultura sob o ponto de vista de uma outra. Mas se um aluno fizesse isso no Japão, provavelmente seria suspenso e sua família poderia ser humilhada por não ter-lhe dado educação de como se deve agir em uma escola. É claro que os brasileiros são mais expansivos e naturalmente mais inquietos e ansiosos, mas somando o fenômeno celular-internet à vaidade incontrolável das patricinhas, chegamos à seguinte conclusão: qualquer lugar é lugar pra tudo, pois, com a importância dada ao mundo virtual, cada vez menos os lugares têm significado.
Tudo virou um grande Não-lugar ou Qualquer-lugar. Quando peço licença pra passar, meus alunos não só não entendem bem o que digo, como não se movem e ainda fazem cara feia. Além da pouca mobilidade dos “filhos de apartamento”, perderam a noção de que um determinado espaço se diferencia de outro pela utilidade. Quarto serve pra dormir e namorar, sala pra ler ou assistir televisão, cozinha pra preparar comida. Mas em qualquer lugar (todos, nenhum) se encontra o binômio celular-internet.
O mundo virtual é um lugar irreal fisicamente, só existe enquanto impulsos elétricos, imagens na tela ou na mente do usuário. E para a imaginação não há limites, tampouco fronteiras entre o que é e o que não é. O paradoxo é que a imaginação deveria ser libertária, mas nos escraviza no mundo real, que se transformou em um avatar do cyberspace, delimitando padrões de comportamento sem espaço para a criatividade. Nesse confuso mundo paralelo, qualquer espaço é possível, sempre através da mesma tela.
Por isso o comportamento inconsistente. Seja na aula, num bar, no shopping, no cinema, no ônibus. Pode-se fazer de tudo, viajar conversando e navegando, ir ao cinema e ficar falando ao terlefone e claro, se maquiar na sala de aula, tudo com o celular ao alcance da mão.
 Foto by Inezita Cunha

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