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Professor, Músico, Audiófilo, Cientista Político, Jornalista, Escritor de 1968.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Gramática

-Ssora, poço falar com a cenhora?

-Você não está falando corretamente, Camila. “Posso” é com dois esses e não cê cedilha, e senhora é com s.

-Ué, como assim? Eu não tou escrevendo, tô falando.

-Mas eu sei que tu não sabes escrever corretamente, por isso, também não podes falar corretamente.

* * *

A única utilidade que a gramática tem ao ser ensinada aos jovens é a mesma da piada acima. Absolutamente nenhuma. Na verdade ela só existe porque pessoas querem controlar o pensamento de outras pessoas. Querem dizer a estas o que elas podem ou não podem pensar e, pior, como elas podem ou não podem pensar.

Se as línguas dependessem da gramática para existir estariam perdidas. Na hora em que o falante fosse inventar um novo termo para cunhar alguma coisa que ocorreu pela primeira vez não conseguiria. Não está previsto na gramática criar palavras novas. Quando o príncipe fosse dedicar amor eterno a sua escolhida não sairia de sua boca sequer uma palavra para encantar sua bem amada. A gramática não prevê falar poesia.

Se saber gramática garantisse amar o aprendizado de língua materna, adorar ler e saber escrever, seria o primeiro a defendê-la. Mas, antes, pelo contrário, estudá-la tem afastado os jovens da virtude literária. A disciplina de Língua Portuguesa, tão presumivelmente aquela fundamental para torná-los interessados em possuir tais predicados têm fracassado em conseguir esse objetivo nas últimas gerações escolares. Gostar de ler é quase uma utopia nos dias de hoje. Saber escrever claramente nem se fala. Por quê? Porque entender tudo de gramática não dá talento a um escritor, não garante capacidade de produzir um bom texto e muito menos gostar e entender o que se lê. Muito antes pelo contrário. Parece até que afasta o estudante do vernáculo. Parece que sempre que ele olhar para uma obra literária estará vendo apenas regras de como escrever tal e tal palavra, amontoados de orações coordenadas e subordinadas que têm que, de alguma forma, encaixar-se, figuras de linguagem a serem localizadas. Parece que procurar algum sentido é algo secundário. Ou quem sabe os aspectos filosóficos? E a relação com a sua época? Não, só regras, meu amigo.

Essa necessidade de regrar, dissecar intectualmente as palavras, as orações e relegar o sentido mais profundo para segundo plano é o aspecto desumanizador do estudo de gramática e corrói o gozo, a libido do lance textual. Não dá pra ensinar português de outra forma? Só lendo e lendo e escrevendo e debatendo. Tem que ter mesmo a análise minuciosa de tudo aquilo que é escrito (ou falado)? Não dá só pra “curtir” escrever, ler ou conversar? Não se ensina a pensar na língua assim? E consequentemente a gostar de ler e saber escrever? Ensinar gramática antes da faculdade é barrar esses jovens na porta do gozo da própria língua através de uma rachadura entre o aspecto emocional e meramente racional da mesma. É cortar o gozo antes que ele aconteça (uma broxada?).

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